Sofrimento

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Pediram-me que tecesse alguma consideração sobre o sofrimento. Mas o que dizer de algo que não tem existência própria? Ontologicamente, isto é, como ser, ele não existe. Alguém o viu andando por ai? Existe o sofredor, o que interna ou externamente é por ele envolvido. E são tantos que merecem atenção.

Acredito ser bastante válido começar a reflexão com o exemplo da “luzinha vermelha” no painel do carro. Na pior das hipóteses, ela é ótimo sinal de alerta. Pode não ser agradável, mas é benfazeja. Assim, é abençoada aquela dor desagradável que nos leva a descobrir algo sério em nosso interior.

Imaginemos, agora, uma pessoa absolutamente insensível à dor: ela poderia esquecer a mão no fogo devorador e só tardiamente descobriria o mal irreparável: ela estaria reduzida a cinzas. E a hipótese não é fantasmagórica: isto é possível em quem sofre de hanseníase.

Passemos para outra constatação preliminar: mesmo sendo todo-poderoso, Deus não poderia nos criar ilimitados, pois seríamos outros deuses. Então, em nossa limitação, existe o sentimento que, tanto pode ser agradável (prazer), e desagradável (sofrimento).

Os minerais, de per si, são insensíveis: então, evolutivamente, nem pioram e nem melhoram; são estáticos. Analogicamente, dizemos que as plantas sentem. Mas, carentes de córtex nervoso, são incapazes de sofrer. Quando criança, distraía-me tocando numa plantazinha chamada mimosa e a via mecanicamente recolhendo suas folhas. Nunca mais a vi e gostaria saber o porquê daquela reação. Mas é comum dizermos que a planta está sentida. Ordinariamente isto acontece quando falta água. Os animais, por sentirem, sabem “se virar”: reagem quando sofrem, se defendem, atacam, sabem rosnar ou ser carinhosos. Com isto, procuram o bom e se afastam do ruim.

O ser humano, conforme o caso, é mais ou menos sensível do que os animais; como estes, goza e sofre. Contudo, é dotados da razão que o especifica e tem condições de refletir sobre o sofrimento. Ciências, como a medicina, a psicologia, dão seus contributos. Ao lado delas surgem as religiões se interrogando: qual é o sentido, a causalidade e a eficácia do sofrimento? Tem ele alguma utilidade?

Todos os povos, cada qual à sua maneira, procuram, aos seus modos, conhecer (logia) as causas (aitia) do sofrimento. Daqui o nome etiologia original que, no caso, é o esforço para conhecer a origem do sofrimento. Minhas considerações, limitadas pelo espaço concedido, enfocarão o âmbito bíblico.

Para as Escrituras, nas mãos do ser humano elevado pelo Criador, foi colocado o mundo para reger e adaptar segundo suas necessidades (Gn 1,28-30). Todavia, com todo o seu poder, o Criador jamais os poderia criar deuses; por isso os colocou no paraíso com limitações. Por serem criados, só podiam ser criaturas. Contudo, o ser racional não aceitou sua limitação e pretendeu “ser deus” (Gn 3,5). Este é o pecado de ontem, de hoje, de sempre. Portanto, para a Bíblia, a base de tudo é o chamado pecado original. Daqui o sofrimento em nossas vidas. Esse é o sofrimento fontal que passa a ser lido evolutivamente na história da salvação. Surge, na reflexão, o chamado sofrimento medicinal: por meio dele Deus purificaria o pecador. À tese de que filhos sofriam pagando pelo pecado do pai foi dito que jamais se afirmaria: “os pais comeram uvas verdes e os filhos ficaram com os dentes embotados” (Jr 31,29). Até que o Primeiro Testamento anuncia o “sofrimento vicário”: Alguém inocente sofreria para a redenção geral (Is 52,13-53,12). As portas se abriam para Cristo.

Na Nova Aliança, Jesus evitou se referir à doutrina da retribuição que consiste atribuir o sofrimento do filho ao pecado dos pais. Defende que tudo seja resolvido à luz das capacidades humanas e à luz da fraternidade (Jo 9,1-3; Lc 12.13-14).

O Mestre, que sofrera ante a Paixão, coloca-se salvificamente à disposição do Pai (Lc 22,42). Sabendo-se o verdadeiro Servo de Javé não deixa de beber o cálice assumido em prol da humanidade (Jo 18,11). Este sofrimento redentor e fecundo não só foi abraçado por Cristo, como o propôs aos que desejam ser seus discípulos (Jo 15,12-13).

Então, existe sofrimento e sofrimento. O de Cristo é assumido em benefício de todos.