Promotores da Paz

Texto de Pe Alcides Marques, CP

Uma das bem-aventuranças de Jesus fala claramente de paz: “felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). O desejo do Senhor ressuscitado, quando aparece aos discípulos, é um desejo de paz: “a paz esteja com vocês” (Jo 20,19). É interessante observar que na bem-aventurança Jesus não fala em pacíficos no sentido de incentivar que as pessoas vivam em harmonia com todos. “Pacífico” diz muito pouco. Mas também não se refere aos pacificadores, àqueles que, graças ao seu poder e prestígio, impõem a paz na convivência social. Jesus não fala em pacíficos nem em pacificadores, mas em promotores da paz.

Segundo os doutores judeus, o mais belo serviço que se pode prestar ao próximo é ajudá-lo no caminho da reconciliação, ajudá-lo a reencontrar a paz. É nesse sentido que se devem entender as palavras de Malaquias: “Eu mandarei a vocês o profeta Elias… Ele há de fazer com que o coração dos pais volte para os filhos, e o coração dos filhos volte para os pais” (Ml 3,23-24).

A missão do profeta será a de aproximar corações. O coração indica a pessoa na sua identidade, naquilo que de mais verdadeiro ela possui dentro de si. A reconciliação que Deus quer não deve ser superficial, exterior, mas uma reconciliação profunda, total, verdadeira. É por isso que para Jesus, a reconciliação, a paz, é condição para o culto. Primeiro vem a busca da paz, depois a prática religiosa. “Se você for até o altar para levar a sua oferta, e aí se lembrar de que o seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe a oferta aí diante do altar, e vá primeiro fazer as pazes com seu irmão” (Mt 5,23-24).

A palavra paz, do hebraico “shalom”, não é um conceito restrito e negativo, mas amplo e positivo. Paz não é ausência de guerra, mas presença de fraternidade, perdão, partilha, saúde, felicidade. A paz tem um quê de plenitude. Desejar a paz é desejar a plenitude da vida. Nesse sentido, desejar a paz é comprometer-se com a construção de condições para que haja algo de pleno na vida das pessoas. Não só das pessoas que convivemos, mas das pessoas em geral. A saudação mútua de paz entre os cristãos não expressa apenas um desejo, mas um compromisso comum de trabalhar pela paz. “Fazedores da paz, construtores da paz” (Pe Zézinho).

A paz começa dentro de cada um. Quem não vive em paz consigo mesmo, dificilmente vai construir a paz com os outros. Promover a paz é, antes de mais nada, promover a reconciliação de nossas diferentes dimensões. Não deixar que se instalem divisões interiores: entre razão e coração, entre instinto e afetividade, entre desejos e realidade. Segundo Yves Leloup, um rabino dizia que jamais haveria paz entre os diferentes bairros de Jerusalém, enquanto não houvesse paz entre os diferentes “bairros” de cada pessoa.

O que leva uma pessoa a não aceitar o outro é a não aceitação de partes de si mesma. Os conflitos insuperáveis com outras pessoas revelam a presença de sérios conflitos interiores. Jung dizia que tudo o que acusamos nas outras pessoas não é outra coisa senão o nosso lado negativo que tentamos anular. Assim sendo, quanto mais uma pessoa souber lidar com sua sombra, com sua dimensão negativa, menos impulso ela terá para acusar os outros. Antes de aprender a conversar com os outros, é preciso aprender a conversar consigo mesmo. O cultivo da paz pede momentos de interioridade, de meditação e silêncio, de contato com a natureza.

A paz vai além de uma simples convivência pacífica entre pessoas, grupos e nações. A convivência pacífica não inclui um relacionamento respeitoso, mas indica um mero suportar. A paz autêntica vai além e exige um compromisso com o bem estar da outra parte. È uma paz feita de atitudes concretas. Uma paz alicerçada num relacionamento afetivo e efetivo.

Nem sempre, quando as pessoas dizem “me deixem em paz”, elas estão exigindo respeito nos relacionamentos. Na maioria das vezes, o que querem é cortar simplesmente a possibilidade de relacionamento. Por mais difícil que seja, devemos sempre preservar os nossos relacionamentos. Exigindo, quando necessário o devido respeito. Mas nunca fechar as possibilidades dos outros entrarem em nossas vidas. O ser humano foi feito para a comunhão.

A nossa “cultura” globalizada, com o incentivo ao individualismo, tende a promover o afastamento. O promotor da paz, ao contrário, é aquele que aproxima. E para aproximar pessoas e grupos, o desafio é o de construir pontes. Pierre Weil vai chamar de “pontífice” os construtores de pontes. Pontífice é todo aquele que faz de sua vida um ponto de junção entre pessoas, grupos, nações.

A paz é sempre aproximação. Se no mundo não prevalecer os construtores de pontes, prevalecerão os que colocam bom-bas. Cabe a cada um de nós refletir em que medida estamos contribuindo para uma maior aproximação entre as pessoas e grupos e se libertar, de vez, dessa tendência de destruir relacionamentos, de colocar bombas. Os terroristas suicidas destroem as pessoas e a si mesmos. Eles simbolizam o que acontece na vida de todos aqueles que destroem a paz: destroem os outros e destroem a si mesmos. Não vale a pena destruir a paz.

O diálogo é o ingrediente principal para a construção da paz. Onde existe um verdadeiro diálogo, não há dominação e também não há indiferença: existe uma paz comprometida. O diálogo cria condições de relacionamento. O diálogo gera comunhão de vida. Devemos sempre acreditar no poder do diálogo como o melhor caminho para a solução dos conflitos.

Podemos, nesse sentido, indicar três condições essenciais para o diálogo: a primeira é acreditar no outro, acreditar em sua sinceridade, acreditar que o mesmo tem o direito de ter idéias próprias e que tem algo a nos ensinar; a segunda condição é a disposição para ceder, pois não é possível se chegar a um denominador comum se as partes não são capazes de ceder um milímetro em suas idéias; a terceira condição é o estabelecimento de uma atitude suspeita com relação às nossas próprias idéias. A atitude suspeita é o reconhecimento de que ninguém é dono da verdade. Mais ainda: é o reconhecimento de que a verdade é sempre maior do que nossas idéias.

A bem-aventurança da paz diz que quem constrói a paz será chamado filho de Deus ou filha de Deus. Para Jesus, quem é da paz e luta pela paz é da família de Deus, pertence a Deus, faz algo de divino. Os filhos de Deus são aqueles que promovem uma cultura da paz. Se não construirmos a paz no cotidiano e incansavelmente, será inútil toda manifestação a favor da paz. Simplesmente manifestar pela paz, é colocar nos ombros dos outros a responsabilidade pela mesma. E sabemos que tal responsabilidade é de todos, a começar de quem tem a consciência de ser discípulo de Cristo.