Texto de P. Alcides Marques, CP
Primeira bem-aventurança: “felizes os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,3). Algumas traduções falam em “felizes os que têm o coração de pobre”. Espírito ou coração se referem à interioridade da pessoa. O pobre em espírito é “pobre” porque é interiormente livre. O pobre em espírito não é escravo de nada nem de ninguém. É livre para se defrontar com a verdade, “a verdade vos libertará” (Jo 8,32). É livre para amar, pois “é para a liberdade que Cristo vos libertou” (Gal 5,1).
Podemos dizer que a característica fundamental do pobre em espírito é o desapego. O nosso “eu” cria apegos na tentativa de nos proteger. O problema é que, com isso, o que faz mesmo é nos tornar eternamente dependentes dos nossos apegos. Nós nos apegamos as coisas materiais e pensamos que não podemos viver sem as mesmas. Nós nos apegamos as pessoas e essas precisam sempre preencher as nossas expectativas, senão nos sentimos infelizes. O apego é o caminho mais curto para o sofrimento. Nós perdemos a noção do que é desfrutar das coisas sem dependência e o do que é amar gratuitamente, sem apegos.
Existe também o apego a si mesmo, talvez o pior tipo de apego. É quando o nosso eu diz que precisamos ser engrandecidos, admirados, famosos, os primeiros, ter poder sobre as pessoas, muitos bens, beleza física, inteligência brilhante, ser sempre bem sucedido… Mas tudo isso é uma ilusão. São apegos a que fomos programados pela cultura. Podemos viver tranquilamente sem eles. E seremos mais felizes se aprendermos a viver sem eles.
O pobre em espírito vive a vida como gratuidade. Tudo é dom. Para o rico em espírito, ao contrário, nada é gratuito: tudo lhe é devido. Em certos momentos da vida nos conduzimos desse jeito. Cremos que a amizade nos é devida, cremos que a saúde nos é devida, cremos que o tempo nos é devido. E assim nos tornamos exigentes com a vida e com aqueles que nos rodeiam. Para o pobre em espírito, tudo é doação. A amizade é um presente, um raio de sol é um presente, a saúde é um presente.
O pobre em espírito está livre de tudo, inclusive de sua própria vida. Ele sabe que é “parte de uma imensa vida”, e sente que o que importa mesmo não é a sua vida individual, mas a grande vida, a vida maior, da qual a “sua” vida é uma parte. O apego à própria vida é a causa que faz com que muitas pessoas percam o prazer de viver, pois se esquecem de desfrutar dos presentes que a vida lhes dá. “Pois quem quiser salvar a vida, vai perdê-la…” (Lc 9,24).
O pobre em espírito é livre em relação às suas idéias. Não depende delas. É claro que todos precisamos ter idéias próprias. As nossas idéias poderão contribuir para uma melhor compreensão das coisas. Mas as nossas idéias jamais serão a verdade total. A verdade será sempre maior. Nesse sentido, caminha contra a verdade aquele que tem a pretensão de ser o dono da verdade. Caminha a favor da verdade aquele que a busca constantemente.
Deles é o REINO DOS CÉUS. O Evangelho de Mateus fala em “céus” no lugar de Deus, o que aponta para a mesma realidade. Céus é símbolo do infinito, do absoluto. Reino, por sua vez, não se refere a um lugar, mas a uma ação. Os pobres em espírito, exatamente por serem interiormente livres, tornam-se canais da ação de Deus.