Texto de P. Mauro Odoríssio,CP
Refletimos, no ciclo natalício, o tema PLENITUDE DO TEMPO (Gl 4,4). Encerrado esse período litúrgico, começa um outro: a Quaresma que, logicamente, se vincula à Páscoa. Meditaremos, então, com toda a Igreja, um tema central na mensagem cristã: a Paixão de Cristo. Tão central que Paulo, aos judeus que pediam portentos, milagres, instalação do reino triunfal do Messias, e aos gregos que queriam a sabedoria, a auto-suficiência humana, anunciava Cristo, e Cristo Crucificado, escândalo para aqueles e loucura para estes. Todavia, para os eleitos, ele é a força, a sabedoria de Deus (1Cor 1,22-25). Por quê?
Para os pagãos, os deuses, periodicamente desciam do monte Olimpo para se divertirem na terra: comiam, bebiam, faziam sexo, deixavam filhos e filhas e, a tudo alheios, regressavam para as suas moradias. Que os humanos resolvessem seus problemas como pudessem. Então, os gregos achavam que a sabedoria lhes era de suma valia, pois não podiam contar com os seus deuses.
A grande verdade é que o ser humano é um eterno carente; ele não se salva, ele não se realiza por si mesmo, nem por meio da sabedoria, nem pelo poder ou riqueza (1Cor 1,26). Ao fazer essa afirmação o Apóstolo tem presente Jr 9,22: “…não se engrandeça o sábio com seu saber, nem o forte com o seu poderio, nem o rico com a sua riqueza”. Por mais úteis que elas possam ser, jamais saciarão plenamente a criatura racional. Só Deus, com sua infinitude, o faz.
Ante o anúncio do Crucificado os pagãos achavam-no, em primeiro lugar, que Ele não era “inteligente” como os deuses pagãos. Morrer pelos outros? Dar a vida pelos humanos? Era inaceitável! Para eles, os seus deuses eram mais espertos que Cristo: sabiam gozar a vida. Por isso, a linguagem da cruz lhes era uma loucura (1Cor 1,18). E viviam a dissolução dos seus deuses.
Os judeus também recusaram o Crucificado. Antes de tudo, porque queriam portentos, queriam os favores celestes, queriam um reinado forte, imperialista e que lhes trouxessem vantagens pessoais. Queriam, numa palavra, as “consolações de Deus” (isto é, os benefícios divinos), e não o Deus das consolações. Por outros caminhos, chegavam à mesma decisão dos pagãos aos quais davam as mãos. Não aceitavam o Crucificado e sua mensagem porque, quem morria na cruz era-lhes um maldito de Deus (Dt 21,22-23).
E Paulo enfatizava que é precisamente na “fraqueza de Deus” (morte de Jesus) que está a sua força. Como? Porque o Crucificado não é um vencido: ele revela o amor do Pai em prol da humanidade, pois Ele a amou precisamente quando ela merecia o ódio do céu. Em lugar de enviar-lhe a morte, enviou seu Filho como redentor, como salvador (Rm 5,8-10). E o Filho enviado, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o “fim” (telos, em grego), que tanto significa amar até o último instante da vida, como amar com toda potencialidade do seu coração (Jo 13,1).
Então, é de se descobrir, na Paixão de Jesus, o grande amor do Pai e o do Filho para conosco, e não tanto o sofrimento do Crucificado. Esse amor não é de fruição, não é para tirar vantagem às nossas custas. É um amor oblativo, o leva a dar a vida por quem se ama (Jo 15,13). Amor a ser vivenciado pelos discípulos (Jo 15,12), o que levaria pessoas e povos a viverem como irmãos.
Essa mensagem é de ser meditada sempre, sobremaneira no período quaresmal. O mundo continua sedento do amor trazido por Cristo, do céu para a terra.