Justiça: não prejudicar

Texto de P. Alcides Marques, CP

Quarta bem-aventurança: “felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”. O grande ensinamento é que a justiça deve sempre prevalecer nos relacionamentos humanos. A justiça se fundamenta no reconhecimento de que todos nós compartilhamos da mesma dignidade e, por isso, temos os mesmos direitos. Ser justo é não prejudicar: não prejudicar os outros e não prejudicar a si mesmo. Prejudicar os outros para se beneficiar é egoísmo. Prejudicar a si mesmo para beneficiar os outros é masoquismo, gostar de sofrer.

A bem-aventurança fala em “fome e sede”, o que, em outras palavras, significa um desejo intenso. Felizes aqueles que desejam intensamente que a justiça prevaleça. Prevaleça sempre, em todos os momentos e lugares; na sociedade, nas famílias, em todos os relacionamentos; para todas as pessoas. “Fome e sede” significam amar a justiça desde dentro do nosso ser.

Qual é o maior obstáculo para a justiça? Atualmente, podemos dizer que é a mentalidade individualista que tem prevalecido. A todo o momento somos incentivados a buscar a competição, o lucro, o tirar vantagem. Somos induzidos a abraçar um individualismo exacerbado, onde “tudo o que me beneficia, torna-se legítimo”. Por essa lógica, não há como ser justo, pois nós devemos sempre vencer as pessoas e não há como vencê-las sem prejudicá-las.

O problema não está na valorização do indivíduo, mas no individualismo. A valorização do indivíduo representa, sem dúvida, uma grande conquista histórica. Nas sociedades mais tradicionais, o coletivo praticamente anulava o indivíduo. A família definia o papel que cada um ia desempenhar na vida e as grandes decisões eram tomadas pelos pais, mais precisamente pelo pai. A mentalidade moderna, ao contrário, defende que cada pessoa tem o direito de construir o seu próprio caminho. Isso significa o direito de tomar decisões a partir de critérios próprios.

O principal antídoto contra a injustiça é o desenvolvimento da consciência ética. Ter consciência ética é ter a capacidade de se colocar no lugar do outro. É reconhecer que o outro tem o direito de ser diferente, de pensar diferente, de ter necessidades e gostos diferentes. A consciência ética é o respeito ao outro em sua diferença.

 A justiça não é só a atitude de não prejudicar os outros. Nós também não temos o direito de nos prejudicar. Ninguém precisa se sacrificar pelos outros, no sentido de aceitar sofrer para realizar os desejos dos outros. A felicidade de uma pessoa não pode ser feita pelo sofrimento da outra. O sofrimento pelo outro só se justifica por absoluta necessidade. Os pais, por exemplo, não podem fugir do sofrimento inerente ao cuidado de um filho doente. No entanto, não devem se sacrificar, passar privações, muitas vezes comprometendo a própria saúde, simplesmente para oferecer o supérfluo material aos seus filhos. É preciso que as pessoas se libertem desse sentimento doentio de sentir prazer em sofrer pelos outros. Isso não é amor. A justiça exige que não tenhamos medo de lutar pelos nossos direitos.

A idéia de que devemos ser sempre bonzinhos é altamente prejudicial. Normalmente, pessoas mais expertas utilizam-se dessa pretensa bondade para se aproveitar das pessoas. O resultado é que, em nome da bondade, podemos estar contribuindo para que os outros sejam egoístas. Mais do que bons, o que nós devemos é aprender a ser justos.

“Porque serão saciados”. É a garantia de que todo aquele que busca a justiça, encontrará conforto interior. Um conforto que não vem dos aplausos, mas de uma serenidade que se estabelece na vida de todo aquele que caminha na verdade.