Essen und fressen

Texto de P. Mauro Odoríssio, CP

É precisamente como você entendeu: “comer e comer”!

A nós, quando crianças, nossos pais nos ensinavam a “comer com modos”. E nos passavam tantas regrazinhas aborrecidas. Experientes, sabiam que há uma diferença enorme entre o que é parecido. As coisas mais “iguais” podem ser muito distintas, quando não, diversas. Iiiihhh!!!… Não vamos falar do que é distinto e do que é diverso.

Para os alemães os humanos essen e os animais fressen. Poderíamos dizer que os primeiros comem e os segundos, devoram. Há diferença (ou distinção?) entre uma coisa e outra?

Vamos ao caso, ou, parcialmente ao caso. Como os animais, comemos para repor as energias, para “matar a fome”, como se diz. Até aqui, os nossos comportamentos são idênticos. Todavia, ao que se sabe, nenhum animal precisou ir ao médico ou à farmácia por ter comido ou bebido de mais. Conosco, que lástima! Podem dizer que prejudica a saúde, que a gula é pecado, pois roubamos o que falta na mesa do carente. Não adianta: para “espanto” dos animais, nós “fressamos”.

Se, de um lado, podemos nos comportar abaixo dos animais, doutro, somos-lhes superiores. E muito! Acima deles, comemos para celebrar. Numa festa de casamento, de bodas, no dia das mães, numa confraternização, comemos festejando (todos?!) o mistério do amor dos noivos, da fidelidade do casal, a doação amorosa de nossas genitoras, o vínculo que une os amigos. O “come e bebe” tanto pode ser um lauto banquete como um simples chá. Ao menos as pessoas mais sensíveis, as que “essen” e não “fressen”, partilham, festejam, celebram. O pedacinho do bolo da noiva se torna uma espécie de hóstia. Por isso, não existem verdadeiras festas (ou festas verdadeiras), sem “come e bebe”, ao lado da mesa que vira altar.

Todas as grandes religiões têm os seus banquetes sagrados. Temos o nosso, não é? E somos tão “gulosos” a ponto de termos duas mesas de refeição: a do pão da palavra e a do pão eucarístico.

O grande banquete sagrado dos judeus é a ceia pascal. Ao saírem libertos da escravidão do Egito, por ordem do Senhor, celebraram a primeira páscoa. E deveriam celebrá-la anualmente, como memorial, de geração em geração (Ex 12,1-14). Sabiam que estavam como que “forçando” a Javé (que se comprometera a tanto) a dar continuidade, no curso da história, ao processo de libertação. Javé libertador os estaria libertando sempre. Até a liberdade plena.

Jesus, o verdadeiro libertador (é esse o sentido da palavra redentor), instituiu a Eucaristia numa celebração pascal; e a fez como memorial (Lc 22,19). A redenção que aconteceu historicamente no Calvário pela morte e ressurreição, ao se fazer memória vai se historicizando no dia a dia de todos os povos. Pela ceia, o Redentor se “presentiza”, como tal, para o bem de todos, e em vista da libertação plena, completa, definitiva.

Compreende-se como a Ceia Eucarística é muito mais que uma simples devoção. É um compromisso de se tornar sempre e mais comunhão, superando todo tipo de barreira, todo tipo de excomunhão. Mas exige o compromisso de descruzar os braços, de deixar a vida religiosa do “dolce far niente” (o doce fazer nada), e sentir-se enviado à luta: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice proclamareis a morte do Senhor até que Ele venha” (1Cor 11,26). O texto sagrado completa que, comer do pão e beber do cálice, indignamente, é comer e beber a própria condenação. Comungar sem ser serviço e comunhão é esterilizar a Eucaristia.

Quinta Feira Santa: solene celebração da instituição da Eucaristia, o banquete sagrado dos cristãos. Para que essa celebração seja mais rica e enriquecedora, é que devemos fazer uma celebração representativa da Ceia Pascal Judaica.

Que estejamos todos unidos e, mais inda, em comunhão, para que nossa Eucaristia seja sempre e cada vez mais ESSEN. Jamais FRESSEN.