Texto de P. Mauro Odoríssio, CP
Cedo, o cristianismo se abriu a todas as gentes, atendendo ao apelo do Mestre: “Ide, fazei discípulos meus todos os povos…” (Mt 28,19). Os enviados, logicamente, eram portadores de uma nova mensagem salvífica, desconhecida por seus ouvintes. Estes, por sua vez, eram iluminados por diferentes modos de pensar. Era inevitável um encontro dialético, com enriquecimento mútuo e possíveis choques. É o que nos apresenta a 2ª leitura do IIIº Domingo de Páscoa (1Jo 2,1-5).
O ambiente onde se firmou a comunidade joanina era marcadamente grego. Muitos dos con-vertidos trouxeram seu modo de pensar, entre os quais, um grupo chamado de gnósticos. O nome se origina do verbo grego “ghinosko” (conhecer). Os membros se consideravam seletos, possuidores de conhecimento tal que os elevava à comunhão com Deus. Por suas potências cognoscitivas, portanto, por si mesmos, chegavam às esferas superiores. Com isso, dispensavam a revelação, dis-pensavam a Palavra divina. Eles se bastavam.
Todavia, isso não era tudo: pelo conhecimento que teriam de Deus, se consideravam de tal maneira elevados, a ponto de se considerarem sem pecado (1Jo 1,8-10), portanto, liberados de qualquer mandamento (1Jo 2,4), dispensados, até mesmo, da caridade fraterna (1Jo 2,9).
A essa colocação dos heréticos, o Escritor Sagrado afirma que só conhecemos verdadeira-mente a Deus, se guardamos a lei do amor. O conhecimento de Deus não é algo abstrato, reservado apenas aos estudiosos, mas implica estar em comunhão com Ele. Implica acatar os seus manda-mentos que, na verdade não são para serem apenas conhecidos, mas assumidos, vividos, concreti-zados no dia a dia. E, nestas alturas, é de se evocar que o mandamento do Senhor é: “Deixo-vos um novo mandamento: amem-se uns aos outros, da mesma maneira como eu vos amei” (Jo 13,34). Trata-se de algo novo e que tem um modelo bem definido.
Dizer que conhece a Deus e não vivenciar o especial mandamento do amor fraterno é ser mentiroso, como diz o Escritor Sagrado. É ser falso por não possui a verdade (1Jo 2,4).
Mais uma vez, devemos buscar nos escritos joaninos o sentido completo de “verdade”. De si mesmo o Senhor diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida…” (Jo 14,6). A verdade é Ele.
Nestas alturas é vital precisar que, “conhecer” no sentido gnóstico (e muito do que se pensa hoje), é uma atividade acentuadamente mental. No sentido bíblico, não se exclui este aspecto, mas, o coração tem uma parte preponderante. Simplificando mais: conhecer no sentido gnóstico é ope-ração da cabeça. Conhecer no sentido bíblico é operação também do coração.
Tentando esclarecer e aprofundar: no sentido gnóstico, conhecer a Deus é um saber teórico, especulativo. Há muito de verdade, na afirmação. Mas, é uma meia verdade. E a meia verdade é sempre perigosa. Alguém pode ser um grande sábio e se servir de sua sabedoria para explorar, para destruir. Então… nem todo conhecimento liberta. A ciência atômica, que traz tanto benefício, pode ser usada para oprimir, para arrasar, para matar.
No sentido bíblico, o conhecimento mental deve ser completado, iluminado, guiado pelo co-nhecimento do coração. Bem dizia Pascal: “o coração tem as suas razões que nem a própria razão conhece”. O conhecimento de Deus, então, pede, e muito da razão, mas se baseia, fundamental-mente no amor, na comunhão. E se acenou acima que o verdadeiro amor é saber amar como Cristo nos amou.
A liturgia semanal está deixando a todos a lição de casa: não é de se excluir os estudos, a in-vestigação, o conhecer, com todo esforço e zelo, a Deus e suas coisas. (Quem ama de verdade pro-cura, cada ver mais, conhecer a quem se ama). Todavia, esse conhecimento deve ser completado, vivificado com o de um coração enamorado de Deus e de seu mandamento.
Aqui fica a interrogação: a quanto anda meu “conhecimento de Deus”? que fazer para infla-má-lo?