Preciosíssimo sangue

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

A repetição pode nos levar à rotina e esta a atos impensados. Assim, passamos a agir maquinalmente, automaticamente. Isso, até mesmo em momentos que merecem toda atenção.

Quantas vezes, na consagração, deixamos de estar conscientes ante as palavras de Jesus: “este é o cálice de meu sangue, o sangue por vós derramado em remissão dos pecados”.

A piedade cristã dedica o mês de julho ao Preciosíssimo Sangue. Somos convidados, então, a fazer uma pausa reflexiva e aproveitarmos a oportunidade que nos é dada.

Era marcante a presença do sangue nas celebrações dos judeus. Eles imolavam vítimas, nos holocaustos, para reconhecer o senhorio divino. Também, nos diversos sacrifícios pacíficos, como nos de ação de graças, de súplicas, de louvor e outros. Vítimas, então, eram imoladas (Lv 1-7).

O momento culminante da vida religiosa dos judeus foi a aliança entre Deus e o povo, no monte Sinai (Ex 19,1-6. Não poderia ser diferente: a aliança foi selada com sangue de vítimas (Ex 24,1-8). Neste momento é importante recordar as palavras de Jesus, sempre repetidas na consagração: “este é o cálice de meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança”. A nova e eterna aliança, no sangue de Cristo, é a feita ente Deus e a humanidade.

Pela aliança os judeus se tornaram um povo santo, um povo consagrado (Ex 19,6). Não por seus méritos, mas pelo amor misericordioso de Javé. Mas, eles tinham consciências de suas faltas, de suas infidelidades. Então, além dos inúmeros sacrifícios penitencias, sempre com o sangue de vítimas, uma vez por ano, eles celebravam o dia da grande purificação, o chamado Yom Kippur. Na ocasião o povo e a arca da aliança, tida como o trono de Deus na terra, eram aspergidos com sangue de vítimas. Restabeleciam a aliança rompida pelo pecado comunitário (Lv 16,1-34).

Em Hb 9,1-28, o Hagiógrafo comenta longamente o Yom Kippur. Compara-o com o verdadeiro dia da purificação: a feita por Cristo, com toda a humanidade, no Calvário. Diz que, nessa ocasião, a redenção de todos os povos não foi selada com o sangue de vítimas imperfeitas, mas com o do divino Redentor. Como sacerdote, Jesus não precisava se purificar como os dos judeus, pois era santo e imaculado.

É de se destacar que, para o Autor de Hb 2,10-18, antes de ser nosso redentor, Jesus:

1° – Assumiu a nossa natureza em solidariedade conosco. “Em tudo era necessário que Ele estivesse solidário com os seus irmãos para vir a ser um sumo sacerdote misericordioso…”. Tudo no espírito de “goel”, o “vingador do sangue”, o parente “distante” que se fazia “irmão próximo” para restaurar a justiça em favor do injustiçado (Nm 35,21).

2° – O Escritor Sagrado apresenta o sangue de Cristo como sacrifício. As vítimas imoladas no Primeiro Testamento eram ignaras do que acontecia. Cristo, que se fizera solidário se deixou imolar livre e consciente. Tornou-se oblação pessoal, sacrifício. Foi uma vítima amorosa; ofereceu-se a si mesmo por nós (Hb 10,9-10). Não se trata de oblação puramente ritual (Hb 9,14).

3º – Sangue de Cristo, vida e santificação da Igreja. Nos sacrifícios antigos, o sangue era derramado em morte violenta: o animal, sem saber, era imolado em benefício de alguém. Na imolação do Senhor, o derramamento do seu sangue foi amorosamente assumido antes da Criação do mundo, em diálogo com o Pai (Ap 5,1ss). Tornou-se, então o Cordeiro imolado antes da constitui-ção do mundo (1Pd 1,18-20; Ap 13,8). Dessa morte amorosa só poderia, vir a libertação do pecado e a vida fecunda (Hb 2,17). Por isso, de seu sangue temos o perdão misericordioso (Hb 9,14) e, consequentemente, a santificação (Hb 10,29). Trata-se do banho nupcial de sangue que embeleza a Igreja ao ser recebida, como esposa, por Cristo. Ele a quis “bela, sem mancha nem ruga, mas santa e gloriosa” (Ef 5,21-30). Embelezou-a, adornou-a com o sangue redentor.

Concluindo. Agora, no dia 1º de julho, festa do Preciosíssimo Sangue, neste mês, a ele dedicado, e todas as vezes que na Missa, durante a consagração, ouvirmos a proclamação do “este é o meu sangue que por vós foi derramado em remissão dos pecados”, tomemos mais consciência de como fomos amados pelo Senhor e, com uma vida a Ele dedicada, não repitamos o grito blasfemo dos judeus: “que seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos” (MT 27,25). Que nossa vida esteja, solidaria e amorosamente, a serviço dos irmãos. Isso seja o maior hino de louvor ao Pai.