Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Na Semana Santa refletimos mais enfatizadamente os sofrimentos de Jesus. Nunca é demais insistir, porém, que a reflexão de suas dores não nos deve levar ao puro dolorismo, ao simplesmente ficarmos “com pena” do Senhor. Isso não leva a nada. Ao contrário, é de descobrirmos, cada vez mais, o amor incomensurável do Pai que não se poupou a si mesmo, ao não poupar a imolação do Filho. E é de se descobrir, ainda, o amor identicamente infinito de Jesus em nosso favor (Rm 6,5ss; Jo 13,1). Foi essa reflexão que levou S. Paulo da Cruz a proclamar que a Paixão de Cristo é a mais estupenda revelação do amor de Deus para conosco.
Tanto o amor do Pai como o do Filho são absolutamente gratuitos: nada lucraram ao nos amar. Ao contrário, se esse amor lhes ocasionasse alguma vantagem, deixariam de ser Deus. Deus não pode ser um carente. E nem é de imaginarmos que fomos amados porque merecedores de tanto. Mas, para que tivéssemos os “nossos méritos”, ambos se doaram, gratuitamente, por nós.
S. Paulo da Cruz dizia ainda que é impossível contemplar o Crucificado sem ver, aos seus pés, a Virgem Dolorosa. Então, sobremaneira na Semana Santa, é de descobrirmos, mais aprofundadamente, o grande amor de Nossa Senhora.
A piedade cristã sempre invocou a Virgem Maria com os mais variados títulos. Porém, um merece destaque: o de Nossa Senhora das Dores, também chamada de Nossa Senhora da Soledade, de Nossa Senhora da Piedade, de Nossa Senhora do Desterro. O certo é que, ao se pensar nos sofrimentos da Virgem, de imediato vem à mente Maria, de pé, ante o Filho Crucificado, ou sentada, com Jesus morto nos braços. Ambas as cenas são celebradas pela devoção mariana, imortalizadas pelos pintores, pelos escultores. Apenas um exemplo: a célebre Pietà de Michelangelo. Todavia, a vida da Mãe de Deus foi marcada pelo sofrimento.
A bastante conhecida coroinha de Nossa Senhora das Dores, que há séculos vem alimentando a devoção mariana, enumera sete momentos dolorosos vividos pela Virgem. Em cada um são recitadas sete Ave Marias. As dores meditadas são: a profecia de Simeão, a fuga de Nossa Senhora para o Egito, a perda do Menino Jesus no templo, o encontro com o Filho carregando a cruz, Maria ao pé do Crucificado, Nossa Senhora com o Filho morto nos braços e, finalmente, a Virgem, desolada, ante e sepulcro do Senhor.
Na primeira das dores, o piedoso Simeão diz que uma espada traspassaria o coração virginal de Nossa Senhora (Lc 2,35). Porém, a piedade mariana descobriu, nos Evangelhos, não apenas uma, mas sete delas a ferir-lhe a alma. São bem conhecidas as imagens e as telas nas quais essas espadas traspassam o coração imaculado de Maria. Por sinal, a própria profecia de Simeão foi a primeira a ferir-lhe o peito.
Sob solicitação, escrevemos um pequeno livro (As dores de Maria e as Marias das dores) no qual meditamos 38 momentos dolorosos de Nossa Senhora. E temos consciência de que o texto bíblico não foi forçado.
Para termos um pálido exemplo da amplidão e da profundidade dos sofrimentos de Nossa Senhora que, à imagem do Filho, o “Homem das Dores” (Is 52,13,10), se transformou na “Mulher das Dores”, recordaremos um ou outro mistério, conforme o espaço nos permitir.
Na recitação do rosário, meditarmos a Anunciação de Nossa Senhora como um dos mistérios gozosos. Todavia, é de se ter presente que essa meditação nem sempre é iluminada por uma leitura mais aprofundada de Lc 1,16-38. Isso, quando não se inspira em telas piedosas, a começar pelas mais clássicas, como a de Fra Angélico. Os artistas não são, necessariamente, bons conhecedores das Escrituras. Dão azo às suas fantasias, ou retratam a piedade dos corações marianos. Não há mal algum em assim fazê-lo. Mas é fundamental que nós conheçamos, com a maior precisão possível, o contexto bíblico vivido por Maria. Só assim, penetraremos, com maior riqueza, no seu santíssimo coração. A partir daí, conheceremos melhor, o mistério que ele vivenciou. Compreenderemos como a sua fé abraâmica foi, realmente, questionada.
Quando da Anunciação, Maria era adolescente. A jovem judia se casava entre os 11 a 13 anos de idade. Naquele momento de intimidade com Deus, cabia à Virgem, dizer sim ou não à proposta redentora do Pai. Não era de ela recusar as solicitações divinas. Mas, ao dizer “sim” ao Senhor (Lc 1,38), ficaria grávida; e ela já estava comprometida com José; tinha deveres de esposa. Aparecendo-lhe esperando uma criança, aos olhos do “noivo” ela teria cometido adultério. Cabia-lhe denunciá-la como adúltera Dt 22,23-24. Provavelmente morreria apedrejada. A Virgem sabia-se envolvida por Deus, sabia-se inocente. Mas isso não lhe poupava do sofrimento. Começava, assim, a ser a Maria das Dores.
E continuou como Maria das Dores, até o fim, ao ver seus filhos, gerados no Calvário (Jo 19,26), serem procurados e perseguidos pelas autoridades judaicas.
Os dois pontos extremos da vida de Maria (dizer sim, na Anunciação e estar com a Igreja perseguida), mostram como é bíblica e rica a devoção mariana sob o título de Nossa Senhora das Dores.