Transfiguração

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

No decurso do Ano Litúrgico celebramos vários mistérios cristãos: Natal, Morte de Jesus, Ressurreição, Pentecostes, etc. Cada qual nos trazendo mensagens e luzes especiais. Seria interessante celebrá-los unitariamente por estarem vinculados entre si, pois Jesus assumiu um corpo para morrer na cruz. Morreu, para ressuscitar. Ressuscitou para nos incorporar na sua ressurreição, na sua glória. Assim, com todos os mistérios cristãos.

Dia 6 de agosto celebramos a festa da Transfiguração. Neste ano ela é apresentada pelo Evangelista Marcos (Mc 9,2-10). Essa passagem ocupa um lugar estratégico na vida missionária de Jesus, como nos apresenta Marcos, por sinal, seguido por Mateus e Lucas.

O Evangelista divide o seu Livro em duas partes distintas. A primeira é chamada de o Ministério da Galiléia (Mc 1,14-8,26). Mostra Jesus pregando, acolhendo marginalizados, curando do-entes, saciando famintos, ressuscitando mortos. Numa palavra, beneficiando o povo. Antes de to-mar o caminho para a Judéia, no sul, inquiriu o que as pessoas pensavam dele. As respostas foram decepcionantes. Questionou, então, os discípulos. Pedro respondendo por todos não foi mais feliz (Mc 8,27-30). O Mestre constatou que praticamente “perdera seu tempo” fazendo o que fizera. Evidenciou-se: ninguém queria nada com Ele; seguiam-no interesseiramente. Visavam apenas os favores. A isso os estudiosos chamam de o “Fracasso da Galiléia”.

A partir de então, o Mestre toma o caminho da Judéia. Começa a segunda parte do Evangelho: o Ministério da Judéia. Isso fazendo Ele dá uma forte guinada em seu ministério: vai abandonando as curas, os milagres. E, encetando a caminhada para a Judéia anuncia três vezes a Paixão e Morte (Mc 8,31-34; 9,30-32; 10,34). Deixa a “teologia da glória”. Assume a da cruz, a que leva, verdadeiramente, à glória.

Pedro, tentando obstaculizar o projeto divino, foi chamado de “satanás”, por Jesus (Mc 8,31-33). Com isso fica claro: a teologia do cristão não é outra a não ser a da “cruz”. Da cruz que gera a vida, pois revela o grande amor do Pai que, por nós, não poupou o Filho (Rm 5,6-10), e o deste que, pela humanidade não se poupou a si mesmo (Jo 13,1). Amor a ser vivenciado pelos cristãos, na face da terra (Jo 15,12-13), amor a ser, por eles, irradiado no mundo.

Esse ambiente deixou os discípulos arrasados. Esperavam que Jesus instalasse um reino poderoso, rico, a dominar os demais reinos da terra (Sl 2,8-9). E eles, logicamente, usufruiriam dos benesses por serem quem eram. Nesse ambiente de decepção e escuridão aconteceu a Transfigura-ção, um conforto aos corações abatidos (Mc 9,2-8).

O Senhor, ao vir do céu para a terra, se “desfigura”, se aniquila (Fl 2,5-7) para exaltar a humanidade. Agora, para revelar a glória futura que a esperava se “transfigura”. Assim, os discípulos teriam mais ânimo para enfrentar o escândalo do Calvário. Então, o Mestre sobe a um “alto monte” não identificado. Um lugar mais próximo do céu. Lá se transfigura, como transfiguradas ficaram as suas vestes. Pedro, estupefacto, faz a proposta de lá estar, pensando só em si.

Ante o interesse do Apóstolo que não sabia o que dizia, vem, do céu, a voz do Pai: “Este é meu Filho amado”. É de se frisar: com essas palavras o Servo de Javé, figura do Crucificado, foi apresentado (Is 42,1). Isso tudo está a demonstrar que a teologia do cristão é a da cruz. Cruz, pela qual se vai à luz. Cruz, não tanto sinônimo de sofrimento, mas de um amor sem medida vivido pelo Pai e pelo Filho e a ser plenamente assumido pelos verdadeiros seguidores de Jesus.

Não sem razão Lucas acrescenta que no Tabor, Jesus, Moisés e Elias conversavam sobre o que iria acontecer em Jerusalém: a morte na cruz (Lc 9,31). Cruz reveladora e portadora do amor.