Texto de P.Mauro Odorissio, CP
Nossos veículos de comunicação acabam de informar a descoberta de hipotético documento copto que anuncia grande novidade: “Jesus era casado!”. O papiro seria do IVº séc. Não é tão novinho assim. Mas, também, não tem a vetustez de ombrear-se aos textos evangélicos do Iº séc.
Antes de posteriores considerações, evocamos o sábio provérbio italiano: “a gata apressada faz com que os gatinhos nasçam cegos”. Essa pílula de sabedoria convida, aos menos experientes e informados, a deixarem a poeira assentar e o sensacionalismo arrefecer. A ciência costuma caminhar com pés de chumbo. Assim mesmo, e por isso mesmo, dentro do espaço disponível, busquemos algumas informações prévias.
Cedo, comunidades egípcias abraçaram o cristianismo. Eram os coptos. Basta dizer que, em 1920 Grenfeld descobriu, no Egito, o célebre papiro Rylands, fragmento que traz alguns versículos do Evangelho de João. O manuscrito é dos anos 120-140. Além de ser o mais antigo de João, demonstra como o Evangelho penetrou logo, naquele país. A descoberta desse papiro foi uma ducha gelada em preconceituosos que afirmavam ser João posterior ao III° século.
A arqueologia tem encontrando documentos coptos. São apócrifos, a saber, textos não inspirados que falam de Jesus, embora não façam parte das Escrituras. Para os estudiosos é interessante conhecê-los; por meio deles se sabe o que aquelas comunidades pensavam de Jesus. Alguns documentos são piedosos, outros, fantasmagóricos. Não faltam os de conteúdo herético. Eles retratam a caminhada das comunidades e isso interessa aos investigadores, aos estudiosos.
É intrigante o aparecimento do atual documento como que vindo do nada. É vital que seja comprovada sua autenticidade, de que época seria. Exames espectroscópios serão o ponto de partida; é de se conhecer o lugar da origem, a época, o contexto cultural onde surgiu. Do conhecimento do contexto que se chega ao do texto. Resumindo: o papiro precisa passar pelas mãos dos mais diversos especialistas, de cientistas especializados em variados ramos de conhecimento.
A celeuma levantada advém de uma afirmação na 4ª linha na qual consta: “Jesus disse a eles: “minha mulher”. Daqui e pergunta: seria Jesus casado? As frases estão truncadas.
Por quê se falou em “gatta frettososa”, em deixar assentar a poeira? Constatada a autenticidade do documento, ele deve passar pelo crivo de dezenas de especialistas. Exemplo: com a descoberta dos célebres documentos de Qumran (1947), os mais apressadinhos passaram a imaginar Jesus como um essênio. Levantaram uma poeira enorme. Mas, chegou a vez dos especialistas. Constatou-se que o Mestre tinha algo em comum com os monges essênios; todavia, deles se distanciava, muito e de maneira fundamental. Hoje não se fala mais nada a respeito.
Então, em primeiro lugar, não é de se confundir Evangelho com “evangelhos apócrifos” ou escritos apócrifos. Estes existem aos montes e são devidamente considerados como tais. Estão essencialmente distantes dos divinamente inspirados. Não é de confundir alhos com bugalhos.
Mais: existem muitos textos apócrifos. E, que sejam descobertos outros. Dos existentes, uns são sábios, outros, piedosos, estes profundos, aqueles, superficiais. Sem falar dos heréticos, dos originários de mentes descontroladas. Porém, dão elementos para que melhor conheçamos as comunidades donde são originários. Mas nada podem dizer de Jesus que viveu séculos antes.
É compreensível que, no seio das comunidades, penetrassem pensamentos heréticos, desviados. Isso aconteceu até mesmo nas comunidades apostólicas. 1Jo 2,3-6 é um exemplo claro de condenação contra o gnosticismo que se infiltrara na comunidade joanina. Nada de espanto que alguém, séculos depois, afirmasse que Jesus era casado. Porém, num exemplo apressado, recordamos que a afirmação contraria os textos sagrados e a tradição. O Senhor, com palavras e vida canonizou o celibato como opção radical ao serviço de Deus: “… outros ainda se castram por causa do Reino do Céu”. Sabendo que estava fazendo colocação inusitada e não facilmente digerível, acrescentou: “Quem puder compreender, compreenda” (Mt 19,10-12).
O tempo se esgotou e com ele o espaço. Mas cabe lugar ao sábio provérbio: la gatta frettolosa fà dei gattini ciechi. Realmente a gata apressada dá cria a gatinhos cegos.
Vamos devagar que o santo é de barro, diz, sabiamente, o nosso povo.