Texto de P.Mauro Odorissio,CP
Recém regressados dos nossos estudos bíblicos (1961), além do magistério específico, assumimos algumas atividades paroquiais, entre as quais, acompanhar um grupo da Pastoral Familiar. Um dos casais componentes tinha uma filha de uns 3 anos. Consequência de meningite, ficou surda; só depois de acompanhamento especial, começou a falar. Aprendemos, então, que não existe surdo-mudo: a pessoa não fala porque não ouve. Ficou-nos claro que adquirimos a loquela na medida em que, recém nascidos, nossos pais “conversam”, amorosamente conosco. Então, a língua entra pelo ouvido.
Essa novidade foi-nos uma excepcional lição de exegese: passamos a compreender, mais aprofundadamente, Is 50,4-5. E quem nos conhece mais de perto sabe como amamos esse texto bíblico. Então, de antemão, partilhamos essa experiência para que valorizemos, devidamente, a leitura sagrada, precisamente agora, no encerramento do mês da Bíblia.
O texto bíblico em questão diz: “O Senhor Deus me deu uma língua de iniciado para que eu saiba ajudar, com uma palavra, aos desanimados. Cada manhã Ele desperta meus ouvidos para que preste atenção como bom discípulo. O Senhor Deus me abriu os ouvidos e eu não me revoltei e nem andei para traz. ” (Is 50,4-5). Tomamos a liberdade de destacar alguns itens do texto.
Inicialmente anotamos que a “língua recebida” não é mero “blá blá blá”, o que não leva nada a ninguém. Ao contrário, ela se abre para beneficiar outrem: os necessitados. A misteriosa língua é a de Deus, mas, comunicada ao “iniciado” (“limudim”, em hebraico). Somente determinados discípulos têm acesso a ela. A esses privilegiados é dão acesso à especial de língua secreta de Deus.
De imediato vêm as perguntas: Quem? Como? Por quê? Para quê?
O texto, lido com atenção, enseja respostas: essa graça é dada aos discípulos que se postam como ouvintes de Deus que fala. É de se observar que, nos dois breves versículos, por duas vezes se insiste no se deixar abrir os ouvidos. Como a nossa língua materna, a de Deus também entra pelos ouvidos. Ela exige a audição e a captação da mensagem recebida. Isso enriquece o discípulo com especial loquela. Só quem se coloca silente ante o Deus que fala aprende a “língua falada por Ele” e fica em condições de compreender a mensagem transmitida. Isso feito, está em condições de levar algo concreto aos irmãos. Repete-se o acontecido com o jovem Samuel ao dizer: “Fala Senhor! O teu servo está à tua escuta” (1Sm 3,9). Foi-lhe dado, então, não apenas compreender e viver a mensagem celeste como transmiti-la ao povo.
Resumindo: perante Deus que fala, é do discípulo colocar-se como ouvinte e assim, possuir a língua celeste e captar o ensinamento vindo do alto. A partir de então, terá maiores condições de adequar os seus passos aos do Senhor, a sintonizar e sincronizar seu coração humano ao do Pai celeste. Depois, em espírito de abertura, ir ao encontro dos desanimados, como nos diz o texto.
Nesta altura é de questionarmo-nos corajosamente: como vai nossa vida de oração? Resumir-se-ia em verborréia infrutífera, interesseira que, para agravar, mal ocultaria o “cala a boca” pelo qual reduzimos Deus ao silêncio? Damos-lhe um mínimo de espaço, ou falamos… falamos… sem que possa dirigir-se ao nosso coração? Não seria isso que levou Jesus a alertar: “Quando rezarem, não multipliquem as palavras como fazem os pagãos que pensam serem ouvidos por causa de seu palavreado”. Para que não pairem dúvidas acrescenta que o Pai conhece nossas necessidades antes que formulemos os nossos pedidos (Mt 6,7-8).
De maneira alguma queremos diminuir a importância da oração vocal, a que nos leva a dirigirmo-nos ao Senhor. Em si, elas nada acrescentam a Deus, mas é importante que nos postemos como carentes e necessitados, desejando agradecer, louvar, suplicar favores e bênçãos. Todavia, agora, ao encerrarmos setembro, o mês da Bíblia, que exercitemos a capacidade de sermos, também e principalmente, ouvintes de Deus. Que, silenciosos, deixemos que Ele fale aos nossos corações, máxime em nossa condição concreta de vida, em nosso contexto