Por P. Mauro Odorissio, CP
Assumindo a dor deixada pela morte, mas, iluminando-a pela esperança que fundamenta a certeza de que a grande realidade se concretiza a partir de então, a Comunidade, súplice, roga ao Pai: “dai-lhes, Senhor, o eterno repouso”. Nesse momento, os olhos corporais, mesmo obnubilados pela dolorosa ausência do ente querido, à luz da fé descortinam a realidade da vida definitiva.
Mas, por que rezar pelos nossos falecidos? É uma interrogação que surge espontânea.
A resposta pronta e iluminadora está na natureza da Igreja: ela é comunhão. Deixaria de ser tal se a abdicasse. Peregrina, caminha pelas sendas deste mundo em vista da comunhão definitiva, quando Deus será tudo em todos (1Cor 15,28). É impossível olvidar os que já estão na Pátria.
Certo: por sua natureza a Igreja é comunhão e, assim sendo, é dos vivos e mortos estarem vinculados entre si; “se comungarem” num todo harmonioso. Mas, por que sufragar nossos irmãos falecidos que já estão no além? Isso levaria a alguma alteração?
É inevitável que se evoque, no momento, a explicação que Boécio dá da eternidade: “posse total, simultânea e perfeita de uma vida interminável”. Dada as limitações terrenas de abarcar a interminável permanência do grande presente, isto é, a eternidade, nós nos baseamos em fatores extrínsecos, não atinentes, como é o caso do movimento da terra ao redor do sol para “delimitá-la”. Com isso, falamos em passado (ontem) e em futuro (amanhã). Na verdade o tempo não existe como tal; é meras categorias mental. Tanto que, se a terra deixasse de girar, jamais o hoje se transformariaem ontem. O correto, então, é iluminar o transitório com o definitivo e não, vice-versa. Tudo é um grande presente a desafiar nossos conhecimentos tão limitados.
Voltemos ao nosso tema: sabemos que a morte não é a grande vitoriosa, não é o ponto final de tudo. Iluminados pela grande presença, pela luz da eternidade, em comunhão, sufragamos nossos falecidos. E eles, no mesmo espírito, intercedem ao Pai por nós.
Aos primeiros cristãos que lhe interrogavam como dar-se-ia a ressurreição, Paulo trazia elementos iluminadores. No mundo, dizia, existem carne e carne: uma é a dos peixes, outra, a das aves, outra, ainda, a dos animais, a dos humanos. Há, igualmente, corpos terrestres e corpos celestes; cada qual com o seu brilho. O do sol diferente do da lua, do das estrelas diferentes entre si.
Assim, também, acrescenta, o corpo semeado na corruptibilidade é chamado a ressuscitar glorioso, na incorruptibilidade. Ao morrer, acontece, com a carne, o que se dá com o grão de trigo lançado à terra: morre para se transformar em planta, em grão, em pão (1Cor 15,35-57).
Assim com o ser humano: não veio da terra para a ela regressar num eterno e inglório retorno (Gn 3,19). Ao contrário, é chamado à comunhão definitiva com o Pai. Peregrinando no “eterno presente”, depois, com Ele será sempre um “comungante”. Mesmo na eternidade que não é incomunicabilidade como acreditavam os judeus (Lc 16,26), estará unido aos demais, superando, pelos sufrágios e intercessão, o grande abismo que separaria o mundo dos vivos e o dos mortos. Então, como é dos irmãos se comungarem, na caminhada terrena, o mesmo deve acontecer quando separados pela morte. O grande diálogo se dá pelo sufrágio e pela intercessão recíprocas. Todos vinculados pelo Pai comum. Assim reina o espírito eclesial entre os que estão na glória e os que peregrinam, na terra. Até o momento da comunhão definitiva.
Todavia, neste momento, é de se refletir que a ressurreição de todos já iniciou na de Cristo. Já como incoativamente ressuscitados, é de se produzir sempre e cada vez mais os frutos da especial vida que pulsa nos corações humanos. Não sem razão, em Col 3,1-10, o Apóstolo Paulo usa o verbo “ressuscitar” no passado, referindo-se à especial vida divina que pulsa no coração cristão, vida a ser alimentada e a produzir frutos de vida eterna. Até que a ressurreição se concretize, definitivamente, na comunhão de todos os eleitos com o Pai Eterno.
Essa mensagem deve animar, constantemente, a reflexão ristã, sobremaneira no dia dos Mortos quando, de modo especial, se vive a comunhão entre os discípulos que peregrinam na face da terra e os que já se encontram no reino celeste.
Dai-lhes, Senhor, o repouso eterno. E que, da mansão celeste, eles intercedam por nós.