Por P. Mauro Odorissio, CP
Há visão e visão de Natal. Na cristã, Natal é a celebração de um mistério a ser cada vez mais assumido e vivido: o do Deus-conosco. E, depois, concretizado na eternidade. Na do deus-mercado, sempre e cada vez mais voraz, é levar ao consumismo, ao lucro sem limite, ao efêmero sem profundidade, fugidio e sem raízes e perspectiva. Vem do nada a volta a ele.
Pode causar estranheza: mas ignora-se a hora, o dia e o ano do nascimento de Jesus. 25 de dezembro do ano 1 foi escolhidos com finalidade teológica e litúrgica. Para o cristianismo o essencial era e é viver o mistério do Emanuel, do Deus conosco (Mt 1,23), do Deus salvador (Mt 1,21).
Por limitação de espaço não abordaremos a questão da escolha de 25 de dezembro para celebrar o nascimento de Jesus.
O Natal não é a principal solenidade cristã e sim, a Morte e a Ressurreição do Senhor. Mas se trata de um mistério importante a ser considerado e vivido. Dos Evangelistas, Marcos nada diz a respeito; ao falar do Mestre, o apresenta já adulto, sendo batizado por João (Mc 1,9). Mateus está mais interessado em falar da visita dos magos, pois seu objetivo é mostrar que o Messias foi enviado também aos pagãos (Mt 2,1-12).
Todavia, temos outras passagens do Novo Testamento que falam do mistério do Deus conosco. O confronto entre algumas delas é ocasião para se meditar como o mistério natalício pode ser ricamente refletido sob diversos ângulos. A limitação do espaço impede aprofundamentos, mas é interessante observar como, ao narrarem a chegada do prometido Messias, os Escritores Sagrados, de modo singelo, diferenciado, exigem dos leitores, reflexão aprofundada. Alguns exemplos:
Gl 4,4 | Lc 2,6-7 | Jo 1,14 | Fl 2,6-8 |
“Ao chegar a plenitu-
de do tempo, Deus enviou o seu Filho que nasceu de uma mulher…” |
“Estando ali, completa-
ram-se os seus dias e e- la deu à luz o filho pri- mogênito. Ela o envol- veu em panos e o recli- nou na manjedoura…”. |
“E o Verbo se fez carne
e habitou entre nós e vi- mos a sua glória, glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de ver- dade”. |
“Subsistindo na condi-
ção divina, não reteve para si ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo…”. |
O mistério natalício é sublime para ser apenas retratado, filmado, descrito. É de ser refletido, meditado e, sobremaneira, contemplado. Afinal, o essencial é invisível aos olhos.
Ordinariamente, ao se falar do nascimento de Jesus se evoca Mt 1,18ss e Lc 2,1ss. Eles usam um estilo mais plástico. De certa maneira o nascimento do Menino é parecido com o de tantas crianças carentes. Os Evangelhos denunciam essa injustiça ao narrarem o nascimento do Senhor, mas anunciam, também, um mistério que não pode ser olvidado: Deus que se revela salvador.
Das quatro passagens apresentadas, Gl 4,1-7 é a mais antiga a abordar o mistério natalício. Lapidar, mas profundamente, Paulo fala do Natal, no v. 4 ao dizer: “quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho nascido de mulher, nascido sujeito à lei”.
“Plenitude do tempo”: não é um momento qualquer registrável pelo calendário: é a concretização do projeto salvífico, amoroso, acalentado no coração do Pai, desde sempre. Só assim o tempo se tornou pleno, porque rico de graça e de salvação. Com Jesus deu-se o tempo dos tempos.
A concretização desse projeto divino implicou, como diz Jo 1,14, que o Verbo, o Filho de Deus se fizesse carne, a saber, assumisse as limitações humanas, menos o pecado. Esse incompreensível mistério é mais concretizado em Fl 2,6-8: nascendo, o Verbo assumiu carne para morrer na morte dos malditos de Deus (Dt 21,22-23). Mas, para libertar-nos da maldição (Gl 3,13).
Se entendermos e assumirmos o proposto pelas Escrituras, as festividades exteriores do Natal têm sentido transcendental. Diferentemente, tudo desaparecerá com o apagar das luzes coloridas, com o findar das músicas de ocasião, quando não, do abuso no comer, e no beber. Resta o amargor da inevitável interrogação: “e agora, José, o povo sumiu, a festa acabou. E agora, José?’
Que a plenitude do tempo seja assumida, para que, sempre e mais se concretize a esperada eternidade. Assim sendo, poderemos, com profundidade, desejar uns ao outros: Feliz Natal!