Nem Gaspar, Nem Melchior, nem Baltazar

Por P. Mauro Odorissio, CP

Hoje refletiremos a Festa da Epifania que se aproxima. Partindo do título, aparentemente chocante, de antemão pedimos aos leitores que compreendam nossa missão de exegeta: sem desprezar valores tradicionais, devocionais, devemos ser críticos e investigar, acima de tudo, a mensagem das Escrituras. Tradição e devoção têm seu valor de “pré e pós-texto” bíblico. Mas. o valor último é o texto e a mensagem sagrada que não podem ser minimizados ou desvirtuados.

Visitando a maravilhosa Catedral de Colônia (concretizava, então, almejado sonho), deparemos com o túmulo dos Magos: Gaspar, Melchior e Baltazar. É certo: levantamos interrogações, o que não nos impede de compreender e respeitar a tradição e a devoção que animam tantos corações. Contudo, quem se abre ao conhecimento, máxime ao bíblico, deve ser sadiamente crítico, o que implica um parto doloroso: a “desmitologização”. Todavia, ela é libertadora, enriquecedora.

Ao falarmos dos Magos, é fundamental que tenhamos em mãos Mt 2,1-12. Observemos que o texto não diz que eram reis, que eram três e que se chamavam Gaspar, Melchior e Baltazar. São chamados de Magos. Assim eram chamadas as pessoas que observavam a natureza para descobrirem a revelação de Deus. O texto está escrito num gênero literário chamado midraxe hagádico, muito usado pelos judeus e que deve ser conhecido para ser bem interpretado. Lamentavelmente, o espaço não nos permite maior aprofundamento a respeito.

Esses Magos se abalaram do distante e indeterminado oriente à procura de Jesus. A estrela que os guiou por longos caminhos, em lugar de levá-los a Belém, a oito quilômetros de Jerusalém, estranhamente os levou ao sanguinário Herodes. A estrela se comportou como o navio que afunda no porto. Mas o “erro” compensou: fez com que Herodes e os sacerdotes e doutores da lei reconhecessem que nascera o esperado Messias. O centro da atenção passa a ser Jesus: uns, para adorá-lo, outros, para matá-lo. É a realidade de ontem e de hoje.

Significativamente são ofertados: ouro, para dizer que Jesus era rei, incenso, para mostrar que era sacerdote, e mirra, para confessar que era profeta. Rei para servir e não ser servido; sacerdote que se oferece a si mesmo como vítima. Profeta por denunciar a maldade e proclamar o bem.

A estrela evoca Nm 24,17 na qual o Profeta anuncia a especial estrela que surgiria de Jacó e o cetro em Israel.O fato dos Magos serem chamados de reis se inspira em Is 60,3-6 que fala de nações e reis que, atraídos por luz especial vão a Jerusalém. Ou ainda no Sl 72(71), 10.15, no qual é dito que reis de Társis, das ilhas, da Arábia e de Sabá lhe levam tributo e oferta de ouro.

Essas tradições que tanto influenciaram o folclore brasileiro e a devoção popular, por mais interessantes que sejam não podem ocultar o objetivo da mensagem bíblica. Então, é de se perguntar: que pretende dizer Mateus ao narrar a visita dos Magos ao Menino Jesus?

Antes, é de se recordar que a narração segue do estilo midráxico tão apreciado e usado pelos judeus. Por meio dele, o Evangelista que escreve o seu livro aos seus conterrâneos, com referências sutis entre Jesus e Moisés, vai afirmando que o Santo Patriarca é uma imagem do Filho de Deus. Mateus visa anunciar aos judeus que Cristo é maior que o Patriarca, e que este estava em função daquele. Pena que o espaço limitado impeça a comprovar o que afirmamos.

O que Mateus diz se confirma na segunda leitura da Festa da Epifania: Ef 3,2-8.5-8. O Escritor Sagrado, depois de criar no leitor uma interessante expectativa, afirma que o grande mistério que tem a revelar é que, também os pagãos foram chamados a participar da mesma herança dos judeus, com eles formar um único corpo e a serem filhos da mesma promessa salvífica. Em outras palavras, a terem os mesmos direitos que os descendentes de Abraão. O Deus que se revelara, no Primeiro Testamento, como o Deus dos judeus, se revela ser, também, o Deus de todos os povos.

Não sem razão a festa dos Magos é chamada Epifania, a saber, a grande revelação.

Então, todos os povos são filhos de Deus e, sendo tais, devem viver, ainda neste mundo, como irmãos e irmãs e como herdeiros do Pai comum.

O Menino Jesus que no Natal nasceu para os judeus, na Epifania se revela aos pagãos. A Epifania é o Natal para os pagãos. Daqui a razão de ser de nossa alegria.