Tripé

Por P. Mauro Odoríssio, CP

Ordinariamente nossas casas são guarnecidas com móveis maciços, fortes que se sustentam sobre quatro pés: armários, camas, mesas. Não só são resistentes, como são capazes de suportar muito peso. Embora vejamos nossas estantes abarrotadas de livros volumosos, não duvidamos em acrescentar outros “pesos pesados”, quer no conteúdo, quer na carga material. Sabemos que a estante ficará firme nos pés.

Esses móveis, na sua quase totalidade, são “quadrúpedes”. E são bem mais firmes do que nós, pobres bípedes que, se fôssemos como eles guarnecidos de mais uma dupla de distintas patas, não só suportaríamos mais pesos, como nos livraríamos de tombos espetaculares, quando não, catastróficos. Isso, sem falar, nos aborrecidos problemas de coluna.

É interessante constatar que nossos móveis “quadrúpedes” poderiam se sustentar muito bem sendo tripé. O tripé se sustenta tão bem como os que se apóiam sobre quatro bases.

Falamos isso tudo para entrar em nosso tema: a base da espiritualidade judaica, aceita pelo cristianismo, está no tripé: oração, jejum e esmola. Ele, ao iniciarmos a quaresmas, será incentivado, e costuma ser assumido por muitas pessoas que procuram, neste tempo, “dar um trato especial no seu coração, na sua vida espiritual. E é o que deveria acontecer

Jesus acatou o tripé dos judeus, mas lhe deu o devido direcionamento. Recomendou que nenhuma ação de piedade deve ser praticada por ostentação. Se assim fizerem, a recompensa, a saber, a glória humana foi possívelmente atingida. Mas não implicou em nada a transformação espiritual. Não é de se esperar nada da parte do Pai (Mt 6,1). Ele não foi minimamente envolvido.

Que diz o Mestre do citado “Tripé”?

Esmola. Como pregador ambulante, o Senhor vivia de doações ao se dedicar totalmente ao ministério de missionário do Pai. Conhecia a real situação de seu povo: como a terra era árida e como o povo era tremendamente tributado pelos poderes de Herodes, do templo e dos romanos. A fome imperava. A pobreza dificilmente era uma indústria ou ócio disfarçado. A esmola, na ausência de qualquer política social, era o único meio de subsistência dos desprovidos. Não devia ser usada para atrair louvores humanos ou para anestesiar consciências. A esmola é um apelo ao espírito fraterno, ao espírito de partilha. Assim o Pai acolheria o gesto de bondade (Mt 6,2-4).

Oração. Jesus recomendava a oração constante, perseverante e ele próprio, assiduamente se recolhia no monte ou no deserto, passando a noite toda em diálogo com o Pai. Todavia, distinguia a sua oração das feitas ou pelos hipócritas que se ostentavam orantes chamando a atenção sobre si,  ou das dos pagãos que multiplicavam palavras pensando, assim, atrair a atenção divina. E é nessa hora que ensina o “Pai nosso” que não é uma fórmula estereotipada, com poderes mágicos. Ele insiste no espírito filial ante o Pai, na preocupação em santificar de Deus pela vinda do Reino, no acatamento da vontade celestial. São pedidos os bens necessários, mas o “de cada dia”, não com espírito de acumular. Pede-se o perdão dos pecados, e a força necessária contra o mal (Mt 6,5-15). Oração que não seja transformada apenas em lista de pedidos, mas em compromisso de vida nova, de vida na fraternidade, no perdão, no compromisso com o Reino de Deus.

Jejum. “Vocês, quando jejuarem”, diz Jesus aos seus seguidores, “não fiquem com a cara abatida como os hipócritas que desfiguram o rosto para que os saibam jejuando. Eu lhes garanto, com isso, ganharam a recompensa que esperavam”. Recomenda, a seguir, que se ornamentem para que só o Pai veja que estão jejuando (Mt 5,16-18). O jejum tem grande valor quando usado com prudência e sabedoria: auxilia o discípulo a controlar os desejos desordenados dos sentidos, não permitindo que ele o conduza a uma vida desregrada em dano próprio e comunitário, mas para a conquista da têmpera dos atletas, dos soldados de Cristo (1Cor 9,24-29), assim como ao espírito de fraternidade, ao espírito de partilha.

Quaresma: tempo especial de conversão, tempo de mudança de vida, de passagem de um estado de menor para o de maior perfeição. Que as práticas do jejum, da esmola e da oração nos auxiliem a cooperarmos com a graça santificante de Deus.