Renúncia do Papa

Texto de P. Alcides Marques, CP

No último dia 11 de fevereiro, dia de Nossa Senhora de Lourdes, fomos surpreendidos pela notícia da renúncia do Papa na noite de domingo. Surpreendidos porque não imaginávamos tal gesto. É claro que ele não é o primeiro que renuncia (Gregório XII renunciou em 1415) e que o Código de Direito Canônico prevê tal possibilidade, mas a renúncia de um papa não estava em nosso horizonte de compreensão, sobretudo de nós católicos.

Já que a renúncia se deu, ficou a pergunta: Por quê? O próprio papa alegou problemas de saúde (mais de idade do que de saúde), afirmando que diante da época em que vivemos, a Igreja precisaria de um papa com as condições físicas, mentais e espirituais que ele já não tinha. Mas, seria este o real motivo?

Nos últimos dias estamos assistindo uma enxurrada de interpretações a respeito deste ato e de suas consequências. Parece que todo mundo virou expert em assuntos da Igreja Católica. Se eu estou partilhando a minha interpretação, o faço na qualidade de presbítero da Igreja Católica, de alguém profundamente comprometido com esta Igreja e envolvido em sua missão evangelizadora.

Seria um ato de covardia ou de coragem? Explico melhor. Se ele está realmente “fugindo da raia”, ou seja, não querendo mais levar adiante uma missão recebida, por medo do julgamento da história ou por fraqueza de vontade, seria um ato de covardia. Por outro lado, se a sua motivação é expressar um desapego ao poder, no sentido de pensar naquilo que é melhor para a Igreja, seu ato é de coragem. Particularmente não escolho nem uma alternativa nem outra. Trata-se de um ato de sabedoria. Esta é a característica de Bento de XVI: ele é e sempre foi um pensador, um intelectual, um teólogo. Ele não é um líder carismático (ao estilo de João Paulo II) e parece que não tem um tino administrativo (no sentido de liderar pessoas ou administrar bens financeiros). Como teólogo, é uma pessoa brilhante: basta salientar seus escritos sobre Jesus de Nazaré em três volumes. Bento XVI percebeu (na consciência e em oração) que já cumpriu a sua missão. Penso eu que tal missão seria a de criar condições para que outro líder possa desempenhar o seu ofício mais ajustado aos desafios do mundo em que vivemos, sem descuidar da administração da Igreja. Na Sagrada Escritura, temos o exemplo de Moisés: não foi ele que entrou na Terra Prometida com o povo de Israel, mas Josué.

E o futuro papa? Algumas “inteligências” têm dito por aí que o próximo Papa deve modernizar a Igreja. Mas observem a contradição: dizem que a Igreja (católica) está perdendo fiéis para os pentecostais e, ao mesmo tempo, propõem que a Igreja se modernize. Os pentecostais não são um exemplo de modernização; estão ligados a posturas conservadoras no que tange à moral e aos costumes. Neste caso, quanto mais a Igreja (católica) se moderniza mais longe ela ficaria dos pentecostais. Seguindo esta lógica, a Igreja não deveria se modernizar, mas se tornar mais conservadora ainda.

No meu modo de entender, a Igreja não tem que se preocupar em ser moderna ou conservadora. A sua fidelidade é ao Evangelho de Jesus Cristo e aos destinatários de sua ação evangelizadora. Sem dúvida alguma, precisamos de nos ajustar no sentido de responder a alguns desafios enfrentados pelos cristãos no mundo de hoje. Não se trata de adotar a pauta estabelecida pelos ditos liberais, mas de estar em sintonia com as pessoas concretas que estamos evangelizando. A Igreja precisa mudar não para ter mais fiéis, mas para ter um significado libertador na vida das pessoas. O sofrimento humano exige uma resposta da Igreja. Não podemos ficar alheios e distantes das dificuldades reais enfrentadas pelas pessoas, particularmente pelos mais pobres e sofredores. Mas a mudança da Igreja só pode se dar em função do Evangelho de Jesus Cristo e das possibilidades que o mesmo apresenta. É por isso que São Paulo Apóstolo dizia: “examinai tudo e ficai com o que é bom” (1 Tes 5,21).

Agradeçamos a Deus pelo tempo em que Bento XVI esteve à frente da Igreja Católica. Que a nossa Igreja permaneça sempre fiel ao Evangelho, mas não tenha medo de mudar quando necessário. Muitas vezes, é a própria fidelidade ao Evangelho que exige mudanças.