Texto de P. Mauro Odoríssio, CP
“Senhor, tende piedade de nós” (Kýrie eleison)! Desde os primórdios do cristianismo, ao se reunirem em santas celebrações, após a invocação do nome do Senhor, as comunidades cristãs suplicavam: “Kýrie eleison”. Sabiam-se santas e pecadoras, quer como pessoas isoladas, quer congregadas. Atualmente repetimos o mesmo ritual.
O escritor cristão Orígenes (II-IIIº séc.) chegou a chamar a Igreja de a “casta prostituta”. Atualmente, nós a chamamos, na missa, de “santa e pecadora”. Aliás, essa expressão foi usada também por Bento XVI em seus escritos, antes de ser papa. Somos os primeiros a reconhecer!
Ela é santa por ter como cabeça do seu corpo Cristo que a santifica (Col 1,18-20), o que, sendo a santidade, se fez “maldito de Deus” (Dt 21,22-23), para resgatá-la da maldição (Gl 3,13).
Doutro lado, a Igreja se reconhece pecadora. Primeiro, por ser carente da santificação oriunda do Senhor. Há décadas cantou-se na Campanha da Fraternidade: “perdão, Senhor, perdão por não ser santo”. Além disso, a Igreja se sabe também pecadora, quer pelos pecados pessoais dos seus membros, quer pelos desvios comunitários. Assim sendo, torna-se sempre e cada vez mais carente da redenção divina. E ela jamais ocultou esse estado doloroso e luta contra ele.
No momento, vivemos especial crise eclesial revelada pela renúncia de Bento XVI. Adianto que, tomo “crise” no sentido do verbo grego “krino”: discernir, ponderar, separar. Quem não se abre a ela inteligente e honestamente, não cresce, não se supera.
Acompanhando as notícias e análises a respeito da crise pela qual passa a Igreja, observo que há críticas sensatas, honestas, vindas de crentes ou não. Colocam a mão na ferida visando a cura. São mãos bem-vindas! Ferem, mas visam a saúde, o bem.
Confesso que não digo o mesmo de alguns grupos, de algumas pessoas. A meu ver, atiram pedras com segundas intenções. Escandalizam-se ante reais, possíveis e imaginários pecados da Igreja, sem jamais dobraram seus joelhos ante Deus, dizendo: “Kýrie eleison”. Aliás, são relativistas: o pecado lhes é relativo, praticamente, não existe. E Bento XVI condenou firmemente o relativismo. Não acredito quando se proclamarem escandalizados se o único parâmetro moral para eles são as leis por eles feitas e em benefício próprio. Ante isso tudo, são “impecáveis” e no direito de condenar, de aniquilar!
Todavia, pediram-me para que tecesse alguma consideração sobre a renúncia de Bento XVI.
Resmas de papel já foram gastas ao interpretarem a decisão papal. Pessoalmente se confessou incapacitado e sem forças para timonear o frágil barco de Pedro. E o melhor intérprete de Bento XVI é ele mesmo. Todavia é válido que cada qual tenha a sua visão, suas hipóteses.
Vejo o Papa como um intelectual e culto que passou a vida toda dedicado ao estudo, à investigação, ao ensino, ao confronto de idéias. Mas, marcado pela luz da fé. Ninguém pode acusá-lo de superficial, de inautêntico. Seu pensamento, sua vida, seu pastoreio eram translúcidos. Em seu diálogo com um mundo diversificado e, bastante relativista, como não podia deixar de ser, necessariamente agradou uns e desagradando outros. Não acatou o “tudo me é permitido” existente fora, mas, também na Igreja. É de se ter presente que aquele princípio deixa o mundo nas mãos dos mais fortes.
Mas, além de investigador, escritor e professor, ele foi guindado às funções de pastor e de administrador; mas em âmbito internacional. E, em nossos tempos, com a pluralidade existente fora e dentro da Igreja, isso não é fácil, máxime para uma pessoa avançada em idade e marcada pelas limitações da saúde. Então, encaro Bento XVI como Paulo ao dizer: “não vim para batizar, vim para evangelizar (1Cor 1,17). Eu também, algumas vezes me aborreço ao me ver levado a assumir atividades que não me são especificas; então, mantendo as devidas proporções, acredito sentir empaticamente a decisão papal. E ele está mais debilitado na saúde e pela idade. Deve ser compreendido: ele não está abandonando o timão da barca, mas, passando-o a mãos mais fortes. Em visão eclesial, continuará em atividade como pensador, escritor e orante, como afirmou.
Que a decisão de Bento XVI seja, também, uma terapia de choque a levar todos a uma profunda reflexão, máxime neste tempo de parada, de reflexão, de mudança de vida: a Quaresma.