Habemus Papam: Franciscum

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Do imperador Juliano apóstata se diz que chegou a cunhar moeda com a inscrição: “deletei o nome cristão”. Mais: que ferido em batalha, ao morrer, teria exclamado: “Venceste, oh Galileu!”.

Com a renúncia de Bento XVI e ante denúncias de problemas sérios na Igreja, surgiram críticos, católicos ou não, que colocaram, séria e honestamente, o dedo na ferida; o objetivo era a assepsia, visando a deletar o mal. Eram análises bem-vindas.

Porém, não faltaram críticos de plantão, orquestrados, tangidos por preconceitos. Não os levei em consideração, como escrevi no último artigo “Kýrie eleison”. Como podiam criticar pecados dos outros se não os admitem, se para eles tudo é permitido?

Dia 13 de março: fomos brindados com a eleição do novo papa: Francisco.

Antes de tecer qualquer consideração abro meu coração aos bondosos leitores: “torci” pela eleição do Cardeal Ravasi. Não tanto por ser exegeta e pela sua reconhecida cultura, mas, desejando à Igreja, não a volta ao biblismo barato, mas para que fosse mais impregnada pelo espírito bíblico. O fundamento de sermos igreja é a fé e ela se baseia na Palavra. Urge, então, que a respiremos e avivamos.

A isso acrescento: nada sabia do papa Francisco. Praticamente o desconhecia.

Estava trabalhando em meu quarto e o Pe. Alcides me avisou que o papa acabara de ser eleito. Desci para acompanhar tudo pela televisão. Sem saber ainda quem era o eleito, rezei por ele e me comprometi a ser com ele comunhão. Fosse quem fosse.

Apresentando-se ao povo eu o vi vestido de branco sem outros paramentos. Achei-o um tanto assustado, estático, subjugado pelo ônus que acabara de assumir. Mas, aos poucos foi sentindo a acolhida de suas ovelhas e se descontraindo. Foi acontecendo a empatia, e mais que ela, a paternidade e a filiação entre ele e a multidão que representava todos nós. Tudo iluminado pela luz da fé. O papa Francisco, então, despiu-se de normas e de protocolos asfixiantes.

Dirigiu-se, a seguir, aos romanos como bispo de Roma. Ele, antes de tudo, é o responsável pela diocese romana. Usou apenas o italiano e não as oito línguas com as quais se apresentaria, conforme a previsão ritualista de um monsenhor do Rio de Janeiro. Comentei, na hora, o fato com o Ir. Fernando: “ele está se apresentando como bispo de Roma que é uma diocese irmã das outras dioceses, portanto, respeitando-as como tais. Só depois, vestiu a estola vermelha, papal, para abençoar o mundo inteiro. Afinal, cabe a ele ser o timoneiro da barca de Pedro.

Fiquei, ainda, profundamente tocado quando ele pediu preces, pediu bênção ao povo e se inclinou para recebê-las. Voltei ao final da década de 50 quando, aluno do Pontifício Instituto Bíblico de Roma, estudava Ex 19,1ss. O texto diz que, pela aliança os judeus se tornaram “povo sacerdotal”. Essa passagem é repetida em 1Pd 2,9 e Ap 5,10. A partir de então, todo ranço de clericalismo me aborrece muito. Acredito, com aquele gesto ele atropelou o ritual às vezes asfixiante, verdadeira capa de chumbo. Foi espontâneo, foi dialogante com as suas ovelhas.

Gostei, ainda, quando invocou a proteção de Nossa Senhora. A verdadeira  mariologia, necessária na vida cristã, evita o devocionismo mariano e se torna cristocêntrica e eclesiocêntrica, isto é, leva a Cristo e à Igreja.

Tudo o que narrei são sinais, nada mais que sinais. Todavia, me foram fecundos, iluminadores. Esperançoso, respirei um ar mais oxigenado. Senti-me mais animado, ainda, a confiar no timoneiro da frágil e indefesa barca de Pedro que se julgou o tal (Mt 26,33), mas que negou o Mestre tão bisonhamente (Mt 26,69-75). Barquinha que se torna uma casca de noz nas ondas agitadas e adversas do mundo e confiada ao piloto que tem suas limitações.

Forças malévolas, internas ou externas, continuarão atentando contra a nau do Apóstolo, como sempre aconteceu no decurso da história. Mas as potências infernais não prevalecerão contra ela (Mt 16,18). A Palavra do Mestre é segurança contra toda insegurança.

Caros leitores, é a hora de, em espírito eclesial, darmos as mãos e, por Cristo, em Cristo e com  Cristo, continuarmos na nossa caminhada. Não estamos sós.