Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Impressionado com a mudança contínua no mundo, Heráclito afirmou que tudo flui (panta rhei), tudo corre, tudo passa, nada permanece. Há uma correria para um interminável devir.
É bem conhecida Mercedes Sosa a cantar: “Muda o superficial, muda, também, o profundo. Muda o modo de pensar, muda tudo neste mundo”. Mas, como que antevendo a contradição implícita na afirmação descobre algo permanente: “Porém, não muda o meu amor, por mais distante que me encontre. Nem a recordação, nem a dor de meu povo, de minha gente”.
Se no passado a mutabilidade era constatada, muito embora o seu peso, sua lentidão, que diremos vendo até mesmo eras se sucedendo numa única geração? Há mudanças, há alterações, há transformações, há transubstanciações. Um papel branco, a seguir pintado de verde, continua o mesmo papel, embora alterado. Todavia, entregue às chamas, ele deixa de ser o que era: passou a ser gazes e cinzas que são outras substâncias, não a de papel.
Nessas mudanças todas, existe a espacial. Temos consciência de sermos a mesma pessoa, quer estejamos aqui, quer ali ou acolá. Chamemos essa mudança de “espacial”. Assim, quantas vezes por dia deixamos o quarto, passamos pela sala, vamos à cozinha. Por isso existem os advérbios de lugar “onde”, “donde”, “aonde” que nem sempre são bem observados, bem usados.
Há muitas, muitíssimas maneiras de mudança. Mas, agora, desejamos enfatizar a mudança “qualitativa”. Sabemos que ontem, possivelmente éramos piores do que somos hoje e, quem sabe, amanhã seremos melhores ainda. Cedinho, no colo de nossos pais, íamos aprendendo a ser sempre “mais bonzinhos”. Nossos maus modos eram corrigidos e estimulavam-nos a sermos melhores.
Os hebreus gramaram por séculos a dura escravidão no Egito. Deus os libertou com mão forte e braço estendido (Dt 5,15). A seguir, com eles selou uma aliança (Ex 19,1ss) e os acompanhou, pelo deserto, rumo à Terra Prometida. Portanto, saíram de um “donde” (o Egito), se viram num “onde” carregado de dificuldade, de riquezas e de consolações (o deserto). Mas, sabiam-se a caminho para um distante, mas concreto “aonde”: a Terra Prometida. Então, a partir da libertação, passaram a celebrar a Páscoa (Passagem? Pulo? Salto?) para ampliar, concretizar, aperfeiçoar a libertação que acontecera na terra do Faraó. Isso exigia um ser qualitativamente melhor.
Em chegando à Terra Prometida, o povo eleito imaginou concretizada a promessa divina. Surgem os profetas mostrando que aquela pátria era imagem da definitiva. Urgia, então, caminhar, lutar, crescer, melhorar.
Sem diminuir minimamente o que os judeus celebravam na páscoa-sinal, os cristãos, ao celebrarem a sua páscoa, páscoa-realidade, acrescentam novas revelações: a libertação plena do ser humano, de todos os seres humanos, sem excluir a redenção da natureza (Rm 9,18-25). Redenção plena e universal em vista da páscoa-definitiva quando Deus será tudo em todos (1Cor 15,28).
Estamos às portas da celebração da páscoa cristã. Aliás, ela é a realidade anunciada pela dos judeus e é bem concreta: Cristo é nossa páscoa imolada (1Cor 5,7). O mistério pascal é um todo que abarca a morte e ressurreição de Jesus. Por nós ele morreu e ressuscitou para que nossa vida passasse por saltos qualitativos, do menos ao mais perfeito. Por isso, a celebração pascal implica purificação do velho fermento e passagem para a vida nova (1Cor 5,8).
Essa vida não é algo a ser vivida a partir da eternidade. Pela morte e ressurreição de Jesus, a semente da ressurreição já existe em nossos peitos; é a chamada ressurreição incoativa; ela pulsa em nós. É de se observar como o Apóstolo usa o verbo ressuscitar no passado e não no futuro: “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo se encontra à direita de Deus. Cuidai das coisas, não das terrenas. Morrestes, e a vossa vida está ocultaem Deus. Quando Cristo, vossa vida se manifestar, sereis manifestados com ele, repletos de glória” (Col.3,1-3).
Neste ínterim, então, sabemos como éramos, a saber, “donde” viemos, constatamos “onde” estamos, em que estado de perfeição nos achamos, mas, mirando sempre o “aonde” chegar. Então, colaborando diuturnamente com a graça, atingiremos a comunhão definitiva com Deus.
A todos, Santa Páscoa santificante!