Texto de P. Alcides Marques, CP
Os sinóticos narram como se deu a última ceia: “Jesus tomou o pão… Isto é o meu corpo dado. Depois, tomou o cálice com vinho… Isto é o meu sangue derramado…” (cf. Mt 26, 26-29; Mc 14, 22-25; Lc 22, 14-23. Também Paulo em 1Cor 11, 23-26). Os sinóticos narram um fato, evidentemente que interpretado segundo as características específicas das comunidades cristãs destinatárias. Já o 4º Evangelho (Jo 13) não apresenta a instituição da Eucaristia, mas em seu lugar, conta outro fato: o lava-pés. Este outro fato, no entanto, não é apenas mais um fato, mas a explicação do significado da Eucaristia. Trata-se de um fato que serve para explicar o significado de outro fato.
No tempo de Jesus, as pessoas usavam sandálias ou andavam descalças. Quando chegavam a uma festa, os seus pés sujos deveriam ser lavados por motivo de conforto e higiene. Mas quem fazia este gesto eram os servos. Tal gesto não era reservado ao dono da festa. E foi assim que Jesus surpreendeu mais uma vez. Não devemos nos esquecer de que Jesus era uma pessoa surpreendente. Jesus surpreendeu porque ele era o dono da festa. Talvez os discípulos imaginassem que ninguém deveria lavar os pés de ninguém. Mas Jesus, não. E mais ainda: diz que do mesmo jeito que ele fez, os discípulos devem também fazer uns com os outros. O lava-pés não é uma via de mão única, mas dupla: lavar os pés uns dos outros. Eu devo lavar os pés do outro e o outro deve lavar os meus pés.
O lava-pés a princípio pode ser interpretado como um ato de humildade. Aliás, visivelmente é assim que parece: existe um curvar-se diante do outro. Na missa de quinta-feira santa somente o padre (ou bispo) assim procede. Mas no caso da missa, a ideia é representar o gesto realizado por Jesus. Quando Jesus pede para lavar os pés uns dos outros, será que ele está pedindo para realmente lavar os pés, ou estaria falando do que significa lavar os pés? E o que significa lavar os pés?
Assim sendo, o lava-pés não é um propriamente um gesto de humildade, uma vez que eu lavo os pés do outro e o outro lava os meus pés. Se por um lado eu me curvo, o outro também se curva. Deveríamos, portanto, ir mais além e entender que o lava-pés significa serviço. Era feito pelo servo, ou seja, aquele que deveria servir. Mas para Jesus quem deve servir são todos. Isso mesmo. Amar é servir, cuidar, dedicar, envolver-se. O que Jesus quer ensinar é que devemos ser servidores uns dos outros. Nós precisamos amar e ser amados. Nós precisamos amar e deixar que os outros nos amem. Isso é evangelho, boa-notícia.
É claro que a humildade, livremente assumida, faz bem e é uma virtude cristã, mas o lava-pés vai além. Enquanto a humildade chama a atenção para a nossa pessoa, o serviço chama a atenção para a pessoa do outro. Ninguém tem que se humilhar diante de ninguém. O que precisamos é servir uns aos outros. É isso o que Jesus quer que nós façamos. É isso o que é a Eucaristia. Você está disposto a servir ou acha que são os outros que devem fazer isso por você e para você? Você deixa que os outros, quando eles assim desejam, tenham a oportunidade de também te servir ou não se considera digno do amor dos outros?