Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Depois das solenidades da Semana Santa, ricas em mensagens e em graças, a Igreja, ainda no tempo pascal, se prepara para a festa da Ascensão. Essa solenidade não se faz marcadamente presente nas Escrituras. As diversas passagens se referem a ela como entronização na eternidade, como Col 3,1-3; Rm 8,34, etc.
Lucas fala mais explicitamente desse mistério como se descrevesse um fato histórico; mas, o apresenta de modo “contraditório”, desafiando a perspicácia de seus leitores. Recordemos que, tanto o III Evangelho como Atos dos Apóstolos foram escritos por ele:
EVANGELHO DE LUCAS |
ATOS DOS APÓSTOLOS |
A Ascensão se deu no mesmo dia da ressurreição (Lc 24,1-50). | A Ascensão aconteceu quarenta dias depois da ressurreição (At 1,3). |
Em Betânia, a três quilômetros de Jerusalém (Lc 24,50). | Em Jerusalém, no monte das Oliveiras, ao lado da cidade (At 1,12). |
Os discípulos são conduzidos a Betânia (Lc 24,50). | Os discípulos estão reunidos com o Mestre (At 1,6). |
Ausência de elemento teofânicos (manifestações da atuação de Deus). | Presença de elemento teofânico: nuvem, (At 1,9). |
Ausência de anjos. | Presença de dois homens vestidos de branco (At 1,10). |
Ausência de questionamentos. | Os anjos questionam os discípulos e falam do retorno de Jesus (At 1,10-11). |
Jesus abençoa os discípulos (Lc 24,50). | Ausência de bênçãos |
Volta a Jerusalém e permanência no templo (Lc 24,52-53). | Volta a Jerusalém e ida ao cenáculo onde permanecem (At 1,12-13). |
No Evangelho, Lucas fala da vida terrena do Mestre entre os seus. A Ascensão ter-se-ia dado no mesmo dia da Ressurreição. Por isso ela é colocada no final do Evangelho com bênçãos e adeus. No seu segundo livro, Atos dos Apóstolos, como a dizer: a partir de agora começa outra história, a Ascensão é colocada no início, Então, a partir da glorificação de Jesus, a Igreja caminhará sem a presença física do Mestre que se faria, então, espiritualmente presente.
Essa promessa é revelada pelos elementos teofânicos (nuvens, anjos ou dois homens vestidos de branco), como aconteceu na Ressurreição (Lc 24,4). Tais elementos indicam a assistência salvadora do Senhor. Compreende-se, então, o questionamento que os anjos fazem aos discípulos. Praticamente eles dizem: “por que estão aqui, ociosos, olhando para o alto, sem nada fazer? Não receberam o mandato de anunciar o Evangelho ao mundo todo? Contem com a assistência do Mestre e sejam apostolicamente atuantes”.
É de se destacar o elemento teofânico “nuvem”. Ela manifesta a especial presença salvífica de Deus (Ex 19,16; Lc 9,34). Então, se faz presente só na narração da Ascensão que está nos Atos; os anunciadores do Senhor precisarão da especial assistência divina (At 1,8), uma vez que não o terão mais visivelmente com eles. No Evangelho, ao falar da Ascensão, dada a presença corporal de Jesus entre os apóstolos, Lucas dispensa a presença da nuvem teofânica. Mas nele, ao contrário, há bênçãos de despedida, o que é omitido em At 1,6-11.
Segundo o Evangelho, depois da Ascensão, os discípulos ficaram no templo; continuavam ligados ao judaísmo. Em Atos, ao contrário, eles foram para o cenáculo. O cristianismo passava a ter vida própria e se abria a todos os povos.
No Evangelho, Lucas vincula a Ascensão à Ressurreição, colocando-as no final do Livro. Terminou o período de Jesus na terra. Em Atos, ele distancia uma da outra, e aproxima a Ascensão a Pentecostes quando o cristianismo, com especial presença do Espírito Santo, se abre a todos os povos.
Que a celebração da Ascensão desperte em todos os discípulos a responsabilidade de irradiar Cristo. Preparemo-nos para bem celebrá-la.