Texto de P. Mauro Odoríssio, CP
A devoção popular dedica o mês de maio a Nossa Senhora. Seguramente a origem é européia. Lá é primavera e os europeus dizem ser maio o mês das rosas. Isso é afirmado em prosa e verso. Não sem sentido o conjunto dos “terços” que rezamos é chamado de “rosário”.
A Virgem é invocada com os mais variados títulos. Porém, é na Bíblia que estão as bases mais sólidas da mariologia (reflexão sobre Maria), da nossa devoção a Nossa Senhora.
Sem o menor temor de equivocarmo-nos, afirmamos que ela se originou antes do tempo, a saber, na eternidade, quando o Pai projetou enviar o seu Filho como redentor. Tudo foi planejado. O início desse projeto é chamado de “pléroma tou krónou”, a plenitude do tempo, o sublime momento de graça e de salvação. Nessa especial ocasião foi escolhida uma mulher especialíssima. Por meio dela o Pai nos deu o Filho (Gl 4,4). Maria foi amada eternamente.
Não sem significado o Mensageiro Celeste, em nome do Pai, chama a Virgem de “kekaritomene”, a cheia de graça, a agraciada, a santificada. Proclamou que o Senhor estava com ela e que era a bendita entre todas as mulheres (Lc 1,28). Essa “canonização” da Virgem foi autenticada não somente por Isabel, mas, também pelo Espírito Santo que ele a plenificava (Lc 1,41-42). Sim! A verdadeira devoção mariana veio do céu.
Se a devoção mariana veio do céu, era importante que ela fosse “oficializada”, “universalizada”. Foi o que se deu, precisamente no ponto máximo da redenção: antes de morrer e ressuscitar, o Mestre, na cruz, preocupou-se com os seus representados pelo misterioso Discípulo Amado. A comunidade cristã que ele retratava, não ficaria abandonada, esquecida. Foi nesse preciso momento que ele o recomendou aos cuidados da Mãe: “Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19,26). Praticamente pedia: eles não me terão mais fisicamente ante os olhos; carecerão dos seus cuidados.
Felizmente a preocupação do Senhor não foi somente com os discípulos. O relacionamento deles com a Virgem deveria se vincular pelos laços mãe-filhos. Dirigindo-se então ao Discípulo Amado, preceituou: “Eis aí a tua Mãe”. Significativamente o Evangelista acrescenta que, “a partir daquela hora” (ap´ekeines tes óras), ele a acolheu em sua casa (Jo 19,27). Pronto! Estava oficializada a devoção mariana: Maria é nossa mãe e nós somos os seus filhos!
Neste momento, ao escrever, constato algo que me passara despercebido: na “Hora” de Jesus, momento supremo em sua vida (Jo 13,1), aconteceu a “hora” do início oficial da devoção mariana (Jo 19,28). Maria nos foi dada como mãe. Não tanto para que “quebre os nossos galhos”; não há mal em suplicar favores a ela. Porém, a verdadeira devoção a Nossa Senhora consiste em imitar suas virtudes, principalmente, a de estarmos sempre prontos a “ouvir” e “acolher” a palavra de Deus (Lc 1,29; 2,19. 51). O verdadeiro culto mariano conduz a Cristo: é cristocêntrico.
Falou-se, acima, que ante a recomendação do Crucificado, “a partir daquela hora” o Discípulo Amado levou a Virgem Mãe para a sua casa. Com isso se diz que ele, representante dos discípulos de Jesus, acolheu Nossa Senhora, salvificamente, em sua vida. Em palavras mais simples, a partir de então, as comunidades cristãs eram, também, marianas. É, então, significativo como, nos encontros, nas celebrações comunitárias, Maria “estava sempre com eles” (At 1,14). Ela, presente ontem, no início da caminhada de nossos irmãos na fé, se faz presente, ainda hoje, com sua assistência maternal.
Não é de passar em brancas nuvens: Lucas, autor de Atos dos Apóstolos é, também, autor do III Evangelho. Ambas as obras estão intimamente vinculadas e se completam. Em At 1,14 ele diz que Maria estava sempre com os discípulos. É compreensível, então, como no Evangelho tenha tecido tantos louvores a Nossa Senhora e, de modo especial, incluído no texto o hino rezado por ela (Lc 1,46-55). Seguramente, depois da morte da Virgem Maria ele era cantado nas celebrações marianas, e ele o incluiu no Evangelho. Para os olhos mais críticos dos estudiosos, trata-se de evidente prova da devoção mariana que cedo começou no seio das comunidades cristãs.
Que neste mês de maio tenhamos a oportunidade de renovar, de avivar a nossa devoção a Nossa Senhora. E que essa devoção se fundamente, de modo especial, na Sagrada Escritura.