A raiva não é pecado

Texto de P. Alcides Marques, CP

A maioria de nós, cristãos católicos, acha que a raiva é um pecado. Por isso, nas confissões sacramentais, é comum partilhar tal tipo de situação. Fiquei com raiva de… Estou com raiva da… Tal pessoa me tratou mal e fiquei com raiva e assim por diante. Mas você já parou para pensar que ninguém escolhe ter raiva e que a raiva longe de ser um mal pode até ser um bem. Vamos refletir.

A raiva é um recurso que a natureza nos dá para que possamos nos proteger.  É a resposta natural a uma agressão sofrida. É uma forma de nós dizermos, ao outro e a nós mesmos, que temos algum tipo de valor neste mundo.  Trata-se da necessária autoafirmação. Nenhum de nós aceita ser ridicularizado, passado pra trás, desconsiderado, ludibriado, enganado etc. A raiva é um mecanismo – poderíamos dizer divino – que nos ajuda a lutar pelos nossos legítimos direitos e, sobretudo, pelos direitos das pessoas que nós amamos ou das pessoas injustiçadas.

É claro que devemos estar vigilantes aos fatores que acionam a raiva em nós. Eles podem estar influenciados por alguma deturpação em nossa maneira de interpretar a vida. Algumas vezes, nos sentimentos agredidos sem que a outra pessoa queira efetivamente nos agredir. Esse cuidado é necessário para que não desencadeemos uma situação desnecessária de raiva e causemos prejuízos desnecessários aos outros. Muitos relacionamentos maravilhosos foram destruídos por uma interpretação errada de uma palavra ou atitude de alguém.

As emoções desagradáveis – raiva, medo, tristeza – não são em si mesmas negativas. As emoções são neutras. É por isso que afirmamos que a raiva não é pecado. O pecado exige uma escolha, algum tipo de decisão (contra Deus, contra o amor). Mas, diante da raiva nós não temos escolha: ela simplesmente se impõe a nós. Por isso mesmo, é uma experiência que traz um sofrimento interior muito forte. Exatamente porque não é isso o que queremos.

Dizer que a raiva não é pecado, não é o mesmo que dizer que a raiva não pode nos induzir ao pecado. É preciso aprender a lidar com a raiva. O pecado não está na raiva, mas na maneira (incorreta) de lidarmos com a raiva. Não tenha receio de dizer para si mesmo: “estou com raiva de…”. O problema é quando você deixa-se dominar pela raiva e não procura canalizá-la para condutas construtivas. O problema não está na raiva, mas no que fazemos com a raiva. Podemos vive-la da maneira mais humana possível ou podemos fazer da mesma um canal para atitudes destrutivas em relação aos outros. O pecado capital da ira é o deixar-se dominar pela raiva. Por isso, está na origem de uma série de pecados.

Nas confissões, deveríamos partilhar não o fato de estar com raiva de alguém, mas as possíveis atitudes destrutivas utilizadas. Atitudes manifestadas em palavras, ações ou omissões.

Não finja que a raiva não existe, não tente empurrá-la para debaixo do tapete. Procure aceitar este momento difícil de sua vida e buscar forças na fé e nos amigos para poder superá-la. Procure, em situação de raiva, enriquecer a sua existência com experiências positivas. Procure rechear seu pensamento com ideias mais sensatas. Deixe vir à tona o que de melhor você tem dentro de si. Deixe a luz divina triunfar em sua vida. Sempre.

“Irai-vos, mas não pequeis: não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo” (Ef 4, 26-27)