Texto de P. Mauro Odorissio, CP
O ser humano se vê num universo desafiador: do micro ao macrocosmo, tudo se apresenta como a misteriosa esfinge, desafiando: decifra-me ou te devoro. As conquistas se sucedem; todavia, o repto permanece e aumenta. Sempre há algo a ser descoberto, corrigido ou “melhor” conhecido.
Toda pessoa sensata descobre que, por mais enriquecedor que seja, o conhecimento racional, em si, não tem o condão de transformar corações; coloca-se, indiferentemente, tanto ao serviço do bem como do mal.
Mas, para complementação da racionalidade humana, há outro conhecimento que não é frio e indiferente como o da razão: é o cordial, o que parte do coração. Bem disse Pascal que o “coração tem suas razões que a razão ignora”. Isso mostra, então que, o ser humano, marcadamente noético, se complementa pelo ético e pelo estético. Assim sendo, ele se abre mais para o infinito.
Na abertura ao infinito se dá o primeiro passo para a vida religiosa que, de modo geral, é identificada com o complexo de verdades reveladas a serem conhecidas, guardadas, ou com o conjunto de práticas tidas como saudáveis, boas, virtuosas, ou ainda, com usuais celebrações consideras sagradas, etc. Por mais interessantes que sejam, isso tudo terá sentido dentro de um todo.
Contudo, o ponto de partida nesse primeiro passo, é acatar Alguém que é o Amém (´amen, hebraico): o Único, a Veracidade, o Permanente. Num mundo tão transitório e fugaz, encontra-se a perenidade. E, entre tantos valores transitórios, limitados em si mesmos, portanto incapazes de plenificarem o sempre insaciável coração humano, é de se encontrar o Valor perene, a fonte dos valores passageiros.
O homem sensato que constrói sua casa usará da previdência em construí-la sobre a rocha, podendo assim, enfrentar as tempestades, os aluviões (Mt 7,24). A vida e a existência são mais do que uma casa. É justo e prudente que elas sejam construídas sobre quem é a Rocha (1Sm 2,2).
Indubiamente, a vida religiosa, portanto, a Fé, implica o complexo de conhecimentos, de práticas, de celebrações e de atitudes. Contudo, o marco basilar, o ponto de partida é “crer-Deus”. Crer-Deus sem cair em ciladas aparentemente piedosas, mas, possivelmente, fora de lugar. Crer-Deus não no sentido de procurá-lo como “quebra-galho”, nem mesmo como objeto de louvores, de súplicas, de ações de graças. Mas, crer-Deus como encontro tu-a-tu com ele; pessoal.
Esse tu-a-tu com o Senhor poderia se limitar ao que dele é cognoscível. Por mais que isso seja importante, não é de ser, agora, considerado. Ou melhor, esse conhecimento pode se fazer presente, neste primeiro passo, se ele proceder do coração. Necessário se faz, no caso, que os amantes de cativem mutuamente. Ter a sabedoria do Pequeno Príncipe que, tendo compreendido o sentido de cativar, achou maravilhosas as rosas que acabara de conhecer, mas, que estavam longe da “sua rosa”. Elas eram, inegavelmente, belas, mas eram vazias. Pela “sua rosa”, ele era capaz de dar a vida, e não pelas outras.
Doutro lado, a Raposa que também criara laços com o Pequeno Príncipe, estava ansiosa esperando pelo retorno dele. Os corações dos amantes pedem pontualidade. O relógio-coração é mais preciso do que o astro-rei nas suas auroras e ocasos. Se o reencontro estiver marcado para as 15:00 h, a partir das 14:00 h, o coração-amante já estará em festa.
Deus é comprovadamente o Amor que a cada um de nós ama como o único, pois, ele também é único, para não dizer o Único. O Deus-único vem em unicidade de encontro singular, próprio e irrepetível, ao encontro do amado. O crer-Deus supõe, então, que o verdadeiro crente, despido de tudo, esteja sempre com as velas acesas para o festim definitivo que começa agora (Mt 25,10).
Ponto de partida na Fé: encontro pessoal, vinculante, entre Deus e o crente. Olvida-se todos e tudo que poderiam perturbar ou dificultar o diálogo. É um sentar-se “só-nós-dois”, para um diálogo único e irrepetível.
Fé é acreditar Alguém e nele pondo sua vida. Partindo do crer-Deus, melhor se compreenderá o crer-em-Deus, como será considerado.