Texto de P. Mauro Odoríssio, CP
Julho: mês do Preciosíssimo Sangue de Jesus. Não podemos ignorar a importância do sangue na cultura bíblica. Era usado nos sacrifícios, nos holocaustos (Lv 1-7), nas alianças: esposo de sangue (Ex 4,24-26), a voz do sangue (Gn 4,10). Foi vital no sacrifício de Cristo.
Em Hebreus, a palavra ocorre 21 vezes, quase sempre se referindo ao que Cristo derramou. A Epístola mostra seus aspectos cultuais, existenciais, o alto simbolismo religioso, os vínculos atinentes à vida cristã. Em Hb 9,1-28 fala do Yom Kippur judaico, dia da grande purificação, quando o sumo sacerdote o aspergia pelos próprios pecados e pelos do povo (Hb 9,7). A reflexão é vital na compreensão do sangue derramado na cruz. Ela não maximiza o “rito de sangue”, como faz a Antiga Aliança, mas mostra que a oblação do Senhor não foi ato mágico que produziu efeito mecanicamente. Ao contrário, exclui a “visão ritualista”, Revela que, antes do sangue ser derramado, aconteceu algo importantíssimo que deu sentido a tamanha oblação. Então, é de se considerar:
1º – O sangue de Cristo é sinal de solidariedade. O Escritor Sagrado mostra que o Senhor o derramou em prol da humanidade. Afirma que ele assumiu “o sangue e a carne” para se tornar um de nós, e que em nosso favor abraçou a nossa natureza para nos remir (Hb 2,10-18). Então, antes de ser nosso redentor, ele se fez nosso irmão, formando conosco estreita fraternidade. Isso não foi dado aos anjos, mas aos descendentes de Abraão. O v. 17 enfatiza: “… era necessário que ele fosse solidário com os seus irmãos para ser-lhes um sumo sacerdote misericordioso...”. Repetindo: primeiro ele foi solidário; depois, redentor. Assim se compreende o sentido de “goel”, o “vingador do sangue” (Nm 35,21): o parente que se tornava “irmão” para restaurar a justiça, para defendê-lo. Isso mostra que em nossa vida apostólica, primeiro, como o Senhor devemos “assumir o sangue e a carne”, a natureza de irmão e do irmão; em seguida sermos co-redentores (Hb 2,14). Essa solidariedade implica abertura à doação plena, ao derramamento do próprio sangue, e não o de vítimas, como fazia o sumo sacerdote no Yom Kyppur (Hb 9,1ss), o que exige, de saída, o espírito de solidariedade. Só um grande amor assim é capaz de levar a esse gesto extremo (Jo 13,1).
2º – O Sangue de Cristo como sacrifício. O sangue das vítimas, na grande purificação judaica, era usado em contexto cultual. Os animais sacrificados eram ignaros de tudo. O Sumo Sacerdote os oferecia pelos próprios pecados e pelos do povo (Hb 9,7). Não assim com Cristo: primeiro ele se fez solidário e se ofereceu livre e misericordiosamente. O valor do seu sacrifício não está no rito como tal, mas na oblação pessoal consciente. Aqui a grande diferença entre o rito da Primeira e o da Nova Aliança. Referindo-se ao sacrifício de Cristo, em Hb 8-9 é falado em sangue e não na carne, pois nos sacrifícios judaicos eles ficavam separados: a carne era destinada ao rito (ser comida ou queimada); o sangue era versado em favor de alguém. Mais uma grande diferença entre os ritos dos dois Testamentos: no Novo há oblação consciente. No Antigo, o animal ignorava tudo; a eficácia estava no derramamento do sangue (Hb 10,4.11). Na oblação do Senhor, ela está no derramamento solidário do sangue (Hb 9,13-14). Antes de versá-lo, o Senhor se ofereceu a si mesmo (Hb 10,9-10). Esse ato vem do Espírito de Deus (Hb 5,7-10):a eficácia da redenção não está tanto na versão do sangue, mas na anterior oblação amorosa de Jesus (Hb 9,14). Então, a sua morte não é um ritualismo pobre e asfixiante. Ao contrário, é fonte de generosidade a ser assumida, imitada.
3º – Sangue de Cristo vida e santificação da Igreja. Nos sacrifícios dos judeus, o animal é imolado por alguém e sem saber. Na imolação do Senhor ela foi amorosamente assumida na eternidade em diálogo com o Pai (Ap 5,1ss). Então, ele é o Cordeiro imolado antes da constituição do mundo (1Pd 1,18-20; Ap 13,8). Dessa morte fecunda veio a vida, a redenção (Hb 2,17). É o sangue generosamente versado que perdoa os pecados (Hb 9,14) e produz a santificação (Hb 10,29). Nesse banho nupcial a Igreja é embelezada por Cristo como esposa. A compreensão desse banho embelezador implica a leitura de Ez 16,1-14 e de Ef 5,21-30: como a noiva judia era preparada para o casamento com especial banho, assim o Senhor, em banho nupcial com seu sangue, embeleza a Igreja transformando-a em esposa bela, sem mancha nem ruga, mas santa e gloriosa.
Então, Paixão revela o coração ardente de Jesus que, em amor solidário, derramou o sangue em banho embelezador pela Igreja. Essa Paixão deve ser refletida, vivida e anunciada (Jo 13,34).