Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Neste mês de agosto, celebramos a Transfiguração do Senhor. Já tivemos oportunidade de considerar, em outra ocasião, tão sublime mistério. Mas ele continua sendo um livro aberto convidando-nos a nele descobrir novas e maiores revelações.
Antes de tudo, consideremos as alterações pelas quais o Senhor passou: sendo Deus, ele se abateu, se “des-figurou”, aniquilou-se e se tornou semelhante aos homens. Se não bastasse, humilhou-se até a morte na cruz fazendo-se maldito de Deus (Dt 21,22-23) para, depois, ser exaltado pelo Pai (Fl 2,6-9). Há, então, um sucessivo des-figurar-se, abater-se e humilhar-se. Tudo para que, na Trans-figuração do Senhor, os humanos, criados a serem imagem ou figura Deus, mas, desfigurados pelo pecado, recobrassem a beleza original (Gn 1,26).
Ao terminar o ministério da Galiléia, Jesus se encaminhou para Jerusalém; os apóstolos vibraram; afinal, segundo eles, iria tomar posse do reino que seria rico, forte, poderoso e dominador (Sl 2.8-9). E eles, sendo os mais próximos do Mestre, usufruiriam de todos os benesses, de todas as vantagens, como soem fazer muitos dos que se aproximam do poder.
Mas, para decepção geral, caminho fazendo para Jerusalém, ele anunciou, por três vezes (Mc 8,31-34; 9,30-32; 10,34), que ia para morrer na cruz. E, para agravar, acrescentou que quem desejasse ser seu discípulo que abraçasse a cruz como ele (Lc 9,22-24).
O Senhor que se “des-figurara” fazendo-se o mais humilde dos humanos e em favor deles (Fl 2,6-9), se “trans-figura”, no monte Tabor, ante os discípulos, para que entendessem e enfrentassem, também, a mensagem do Calvário (Lc 9,28-36). Naquele momento, Moisés e Elias, representando a lei e os profetas, testemunhavam Cristo e o que aconteceria em Jerusalém.
É vital gravar a voz que veio da nuvem, no Tabor, nuvem que freqüentemente sinaliza a presença salvífica de Deus: “Este é o meu Filho amado. Escutem o que ele diz”. Esses mesmos dizeres se fizeram ouvir no batismo de Jesus (Lc 3,21-22); eles são de Isaias (Is 42,1). Com essas palavras o Profeta apresentou o Servo de Javé, o misterioso personagem antes apresentado com atributos divinos (Is 9,1-5). Agora é dito que ele não tinha beleza, que crescera como rebento em terra seca, parecendo um ferido, um castigado por Deus, indivíduo ante o qual se desvia o rosto. O castigo que caberia ao gênero humano fora por ele assumido, pois assumira os pecados de todos. Sem abrir a boca, sofreu como ovelha nas mãos do tosquiador. Jamais cometera injustiça. Contudo, foi dele que veio a salvação (Is 53,1-11).
O Novo Testamento, de imediato e com toda razão, nele viu retratado Cristo Jesus, o verdadeiro Servo de Javé.
A celebração da solenidade da Transfiguração do Senhor é ocasião para se refletir a caminhada descendente feita pelo Senhor: sendo de condição divina, como se viu, se abateu, se humilhou, abraçou a maldição de Deus para libertar os que, verdadeiramente, estavam em tão desastrado estado (Gl 3,13).
Na medida em que o Senhor se desfigurou, descendo por todos os degraus da degradação, ele o fez para remir os degredados e degradados. Agora, se transfigurando ante os desiludidos apóstolos, ele mostra que a todos é dado trilhar o caminho da transfiguração, da glorificação. Isso, porém, implica que a cruz seja abraçada como especificidade do cristão. Cruz que está a indicar não tanto o sofrimento, mas o amor sem medida que caracteriza o discípulo; “nisso conhecerão que sois meus discípulos, ao se amarem uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,35).
Vivendo a autenticidade desse amor manifestado pelo doar-se aos outros pelo abraçar a cruz, o velho homem, deformado pelo pecado, vai se transformando no homem novo: “… já vos despojastes do homem velho e de seu modo de viver e vos revestistes do homem novo o qual vai sempre se renovando à imagem de seu Criador…” (Cl 3,9-10).
Cristo se “des-figurou” fazendo-se em tudo semelhante a nós, menos no pecado, chegando a se fazer um maldito de Deus por nós (Gl 3,13) para nos “trans-figurar”, para que voltássemos a ser, para sempre, imagens do Pai.
É essa a grande mensagem que no vem dos montes Calvário e Tabor, é esse o ensinamento da Transfiguração de Jesus. Afinal, é pela cruz que se chega à luz.