Exaltação da Santa Cruz

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Os sinais de trânsito são muito importantes no nosso dia a dia. Todavia, eles não podem ir além do que são, além de sua função específica: indicar, alertar as pessoas, recomendar. O resto depende dos usuários prudentes ou não, sábios ou não, responsáveis ou não.

Que os benévolos leitores estejam tranquilos: não me adentrarei em assunto que não é de minha alçada. Além do mais, estou interessado em outro tema.

Todavia, contando com a bondade e a tolerância de todos, evoco a sentença lapidar de nossos catedráticos: “nenhum efeito é superior à sua causa”; afirmação que, sem enrolação e sem perder nada quer no conteúdo, quer na forma, é sentenciada pelo povo: “ninguém dá o que não tem”. Essa declaração dispensa comprovações, argumentações, parte do bolso do povo.

Para que eu não venha a ser, agora, o enrolador, afirmo que tal prolegômeno (sem querer pretendo enrolar) ou introdução é por causa da festa da Exaltação da Santa Cruz, no dia 14 de setembro. Não pretendo falar da origem dessa solenidade, mas, sim, da Cruz e de sua mensagem.

Antes, porém, e para que o prolegômeno fique mais claro, confesso: acato objetos devocionais (escapulários, santinhos, medalhas, etc), mas dentro de suas dimensões: a de serem sinais, evocações. Como os sinais de trânsito. Nada de atribuições ou de efeitos sobrenaturais, preternaturais ou quejandos. Todavia, a Cruz é portadora de mensagem sublime, central, no cristianismo.

Tudo indica que ela, como instrumento de tortura, tenha se originado com os persas. Era de  várias configurações: cruz decapitada, sem a parte superior (T), a de S. André (X), a de partes iguais (+), a romana ou latina. Jesus foi crucificado numa destas últimas, pois a sentença condenatória estava acima de sua cabeça (Mt 27,37).

O escritor e pensador romano Cícero (*106 a.C.) considerava a crucifixão como o suplício mais cruel, o mais execrando entre todos. Era destinado aos escravos criminosos e não aos cidadãos livres. Para os judeus, quem morresse no madeiro se tornava um amaldiçoado; devia ser sepultado no mesmo dia, pois se tornava um “maldito de Deus” (Dt 21,22-23).

Paulo, porém, afirma que Deus se serve do fraco, do desprezível, para confundir a sabedoria humana. Assim, o que era horrendo para os pagãos e odioso para os judeus foi por ele transformado fonte de salvação: “Cristo nos libertou da maldição da Lei. tornando-se ele próprio um maldito para a nossa redenção conforme está escrito: `maldito todo aquele que é suspenso na Cruz`” (Gl 3,13). Enfatizando: ele se fez maldito de Deus para nos libertar da maldição!

Cruz! Como toda moeda, ela também tem duas faces antagônicas, excludentes que, no fundo formam um todo: ódio e amor, morte e vida, derrota e vitória.

Amiudadamente ela é chamada de árvore, de madeiro. Assim, como ao pé da árvore, no paraíso terrestre, a serpente foi a vitoriosa (Gn 3,1-7), agora, ao pé da nova árvore, a Cruz, ela é a vencida (Rm 5,15-19). A primeira Cruz foi fruto do amor: o Cordeiro a abraçou, na eternidade ao assumir o projeto salvador do Pai (Ap 5,1-9). Por isso, tornou-se o Cordeiro imolado antes da constituição do mundo (Ap 13.8). Mas, para concretizar a imolação amorosa na história, ele necessitou de um corpo que lhe foi dado ao entrar no mundo (Hb 10,5-10). Mas, para esse corpo a humanidade preparou a cruz do ódio. Sim, a Cruz tem a face do amor e a do ódio, a da morte e a da vida, a da derrota e a da vitória.

Para muitas pessoas ela retrata o sofrimento de Jesus. E ela lhe foi fonte inesgotável de sofrimento. Mas, essa não é a mensagem mais importante que irradia. Sua principal revelação é o amor do Pai. Por nós, ele não se poupou a si mesmo dando-nos o Filho que, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim e se imolou pela humanidade (Jo 13,1).

A meditação desse mistério levou S. Paulo da Cruz afirmar, com toda propriedade, que a Paixão de Cristo é a mais estupenda manifestação do amor do Pai em favor da humanidade. E esse amor revelado no Calvário é o distintivo dos cristãos (Jo 15,12-13).

Que a cruz, odiada pelos inimigos do Mestre (Fil 3,18), tida como loucura para os que se perdem, continue revelando o amor que dela emana e o poder salvador de Deus (1Cor 1,18). E que ela se torne fonte do verdadeiro amor, o amor a ser vivenciado pelos cristãos.

E que, pela Cruz cheguemos à luz!