Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Outubro teve inicio com a Festa de S. Terezinha do Menino Jesus. O dia já passou, mas é importante voltar à celebração litúrgica para que seu mistério seja mais bem refletido.
Inegavelmente, a Santa tem uma legião de devotos. Muito se fala, escreve e canta sobre ela, mas, nem sempre com a devida profundidade. Dados circunstanciais, ou até fantasiosos são assumidos cegamente chegando a desvirtuar o verdadeiro sentido da devoção. Basta recordar o quanto e como de fala da “chuva de rosas”, de distribuição dessas flores para se conseguir benefícios, do “T” de Terezinha formado por estrelas no céu e de tantas outras coisas mais.
O certo é que a Santa não pode ficar aprisionada na celebração do dia 1º de outubro. A vida que viveu e o legado que deixou devem ser refletidos. A espiritualidade que plasmou seu coração deve ser fonte iluminadora para os seus verdadeiros devotos e seguidores.
Em sua autobiografia deixou escrito que, lendo ocasionalmente os capítulos doze e treze da Primeira Carta aos Coríntios, descobriu como a Igreja é enriquecida com muitos carismas. Compreendeu que esses dons são diversamente distribuídos entre os membros da comunidade e para o bem dela. Descobriu ainda que eles, com todas as suas riquezas, nada eram sem a caridade. Propôs-se, então, seguir o conselho do Apóstolo: almejar o que tudo excede: o amor (1Cor 12,31).
Escreveu, então, textualmente: “Ó Jesus, meu amor, encontrei afinal minha vocação: minha vocação é o amor”. O amor será o ponto gravitacional de sua vida.
Essas palavras aparentemente simples não são fruto de pieguice, de devocionismo, de beatice que não levam a nada e que comprometem a vida religiosa. Em S. Terezinha eram algo muito sério. E é aqui que entra o sentido do título destas considerações: a Infância Mística.
Jesus disse que era necessário se fazer criança para entrar no Reino do Céu (Mt 18,3-5). O Mestre respondia ao questionamento levantado pelos discípulos: “quem seria o maior no Reino do Céu” (Mt 18,1-2). Os mais próximos seguidores do Senhor tinham em mente a jerarquia, o prestígio, o poder e, logicamente, quem seria o mais beneficiado, quem nele tiraria maior vantagem pessoal. Havia entre os discípulos disputa de “egos”, de cargos vantajosos, de honra e de domínio.
A resposta de Jesus foi concreta: colocou entre eles uma criança e disse: “só quem se faz “humilde” como esta criança será o “maior” no Reino”. A resposta é também questionante; atina o pensamento do Senhor quem confronta, vivencialmente, “humilde”, de um lado, e “maior” do outro. Segundo os critérios humanos eles se excluem; mas não na lógica de Reino do Céu. Compreende o arrazoado do Mestre que se faz criança por dentro. A compreensão exige “transformação”.
Sem delongas e subterfúgios, S. Terezinha respondeu abraçando a Infância Mística.
É da criança, sem maiores considerações, abandonar-se nos braços paternos ou maternos. Neles ela se vê defendida do bicho-papão que lhe introjetaram ou que ela mesma criou, sente-se segura tanto ante o leão feroz como de fronte da baratinha assustadora. Partindo da segurança oferecida por aqueles braços amorosos ela passa a enfrentar o mundo com maturidade.
Assim, S. Terezinha, em primeiro lugar, se abandonou, como filha, nos braços amorosos do Pai. Nele colocou toda a sua segurança, a sua razão de ser e de viver. Isso lhe implicava, de início, estruturar-se a si mesma no Pai, e em comunhão crescente com ele. Seu querer, seu viver era como o de Jesus que rezava: “seja feita a tua vontade e não a minha” (Lc 22,42). Mas, só a conhece quem vive como ouvinte do Pai e não como boquirroto tagarela que não dá chance ao Deus-que-fala. Só conhece a vontade divina o discípulo aberto e pronto a acatar o querer do alto.
Esta é a espiritualidade de S. Terezinha: dialogantemente abandonou-se nos braços divinos, bebeu a vontade salvadora e benfazeja, concretizou sua vida amorosa em comunhão com o Pai. Com o coração terno como o da criança, se deixou moldar pelo querer santificador de Deus; sua vontade humana e a divina do Pai se comungavam e ela crescia no bem, na santidade. Assim, mesmo na solidão do mosteiro se tornou modelo de apostolicidade que dura para sempre.