Sede santos porque eu…

Texto de P. Mauro Odoríssio, CP

Neste 2013, a festa de Todos os Santos  foi celebrada no dia 3 de novembro, domingo. A liturgia fez esta mudança para que todos tivessem a oportunidade de refletir a razão de ser da própria existência. Sim, refletir o para que fomos criados, ou qual é a nossa finalidade.

Ao perguntarmos para que foram feitos o relógio e a lâmpada, todos respondem sem titubeio: “para marcar a hora, para iluminar”. É unânime, ainda, a anuência de que a finalidade de cada um deles não é de iniciativa própria, mas que foi anteriormente programada por alguém.

Todavia, o titubeio e a indecisão são generalizados ante o questionamento: “e nós, para que fomos criados?” E é fundamental que tenhamos clara a nossa razão de ser. Não podemos pensar pequeno. E a Festa de Todos os Santos nos propicia essa reflexão. Na verdade, nada e ninguém nos podem saciar plenamente; somente um ser bom e infinito: Deus. Fomos criados para nele atingirmos a nossa plenificação; sermos comunhão com ele e, daí, conosco mesmos, com as pessoas e com o mundo. Para isso o Senhor nos diz: “sede santos porque Eu sou santo” (1Pd 1,16). A comunhão com Deus é a base, a fonte da santidade. Não podemos nos desviar dessa rota.

Por isso, a Segunda Leitura da Festa (1Jo 3,1-3) nos alerta para o grande dom divino: somos realmente filhos de Deus. É verdade que a compreensão e a posse plena desse sublime presente dar-se-ão só na eternidade. É quando assumiremos totalmente a nossa herança filial.

A Primeira Leitura (Ap 7,2-4.9-14), por sua vez, nos leva a uma visão mais ampla e profunda: mostra, inicialmente, cento e quarenta e quatro mil assinalados. Refere-se somente aos judeus, pois pertencem às doze tribos de Israel. A simbólica operação é o quadrado de 12 (12 x 12) elevado a “mil” que indica muitíssimos; daqui os 144.000. É grande o número dos que abraçaram a fé; contudo, lamentavelmente não é a totalidade do povo judeu. Muitos declinaram ao convite.

A seguir é apresentada uma multidão incalculável, incontável, formada de todos os povos, de todas as línguas, de todas as culturas, e que se mantinha, destacadamente, ante o Cordeiro. Todos vestiam túnicas brancas, sinal da santidade interior; nas mãos, a palma da vitória e clamavam, em altas vozes: “A salvação é obra de nosso Deus… e do Cordeiro!”.

De imediato segue um diálogo maiêutico, aos moldes de Sócrates: um aparentemente ingênuo ancião da corte celeste provoca João interrogando-o quem eram os que estavam vestidos de branco e de onde vinham. Dessa maneira, desafiava o interlocutor a pensar, a tirar conclusões.

Dada a negativa do estupefato autor do Apocalipse vem a esperada e desejada revelação: “são os sobreviventes, os que vieram da grande tribulação. Eles lavaram e alvejaram as vestes no sangue do Cordeiro”. Enfatizando: o sangue de Cristo, versado no Calvário, não somente “lavou” como também “alvejou” as vestes da multidão formada de todos os povos. E, mais ainda: de tanta diversidade formou um único povo, derribando os muros separatórios (Ef 2,14).

Então: a santificação é iniciativa de Deus e é absolutamente gratuita. Ninguém se salva a si mesmo pelas próprias ações. Se assim fosse, o ser humano não precisaria de Deus e produziria algo que supera a si mesmo; e as criaturas racionais serão sempre carentes do Senhor (Rm 4,4-5). Uma vez gratuitamente justificadas, é de elas produzirem obras de justiça, obras boas, sem a petulância do fariseu que se julgava justo pelas pretensas virtudes que julgava ter (Lc 18,12). Longe da absolutização, considerarmo-nos servos inúteis (Lc 17,10), confiando no Deus misericordioso.

Então, na Festa de Todos os Santos a Igreja apresenta multidão de homens e mulheres de todas as categorias sociais, de todas as idades, de todas as culturas, mas não como agentes de favores imediatos e inibidores, e sim, como modelos na árdua caminhada espiritual. Cada qual, mesmo em suas limitações e ao seu modo, vivenciou, de maneira extraordinária, as virtudes.

Assim, todos nós poderemos dizer como S. Agostinho: “se este e aquele puderam se santificar com a graça de Deus, por que não eu também?”.

E é de se recordar que a verdadeira devoção aos Santos está na imitação das virtudes que eles vivenciaram, e não tanto no comércio de favores com troca de velas e de flores.

Concluindo: a Festa de Todos os Santos mostra que é de cada discípulo de Cristo, pensar grande e, com a graça divina, pensar e procurar as coisas dos alto (Col 3,1).