Viver com valores

Texto de P. Alcides Marques, CP

Em nossa cultura atual, encontramos visões diametralmente opostas da juventude. A cultura dominante faz uma espécie de idolatria da juventude, evidentemente que alicerçada em interesses financeiros. Não é a toa que a maioria das propagandas vem acompanhada por rapazes e moças no vigor de sua juventude. A indústria dos cosméticos, das academias e da cirurgia plástica se alimenta do mito da eterna juventude. Em resumo: no mundo em que vivemos é ótimo ser jovem (cronologicamente falando) e péssimo não ser jovem.

E em nossas Igrejas cristãs? Parece que o fenômeno se dá de maneira invertida. Os jovens para serem acolhidos em nossas Igrejas, precisam deixar de ser jovens; precisam se tornar seres quase que extraterrestres. Existe em nosso meio cristão uma espécie de condenação da juventude. Por isso mesmo é que precisamos situar melhor o valor cristão de juventude e, sobretudo, desafiar os mais adultos a ajudarem os jovens a serem cristãos autênticos e não, ao contrário, os levarem a um afastamento de Deus e da Igreja. É aqui que entra a força do testemunho.

Os nossos jovens estão cansados de palavras. Não é que palavras não sejam importantes. Mas palavras são apenas palavras. As novas gerações precisam de exemplos, testemunho, de gente disposta a provar com a própria vida aquilo que diz acreditar. Quando falamos em ser exemplo não estamos querendo dizer que as pessoas devem se colocar como modelos fechados para outras pessoas. O que queremos dizer é que certos valores, caros ao cristianismo, precisam ser testemunhados com vigor. Não é possível que os valores cristãos sejam tão fragilizados. É preciso que as pessoas, sobretudo os jovens, percebam que é possível viver com valores e ser feliz ao mesmo tempo. O antigo testamento, mais precisamente o II livro de Macabeus, traz um texto com uma grande lição de vida a esse respeito.

O texto em questão (2 Mac 6,18-31) recebe o nome de “Martírio de Eleazar”. Eleazar era um escriba, homem de idade avançada. Ele estava sendo obrigado a comer carne de porco. O povo de Israel não podia comer carne de porco. A antiga aliança proibia comer carne de porco (cf. Lev 11, 3-8). Jesus, ao contrário, aboliu tal proibição (cf. Mc 7,14-23). Mas, o que importa é que Eleazar estava diante de um dilema: ou preservar a vida ou renunciar aos valores de sua cultura (judaica), valores esses marcados pela fé em Deus. O essencial aqui não é a carne de porco, mas a fidelidade a Deus.

O pano de fundo em que viveu e morreu Eleazar é o da dominação político-cultural. Após o domínio persa (539-332), o povo de Israel passou ao controle de Alexandre da Macedônia (336-332). Após a morte de Alexandre, seu império foi dividido entre seus diversos generais. Seleuco ficou com o governo da Síria e da Mesopotâmia e Ptolomeu, com o Egito. O povo de Israel ficou como uma peteca, ora sob o domínio dos ptolomeus, ora sob o domínio dos selêucidas. Mais precisamente em 197, o povo passou para o domínio selêucida. O rei Antíoco Epífanes IV promoveu um radical processo de helenização do povo, ou seja, o povo deveria abandonar os costumes judaicos para adotar os costumes gregos. É neste contexto que se situa grande parte dos dois livros de Macabeus. “Depois de não muito tempo, o rei enviou Geronte, o ateniense, com a missão de forçar os judeus a abandonarem as leis de seus pais e a não se governarem segundo a lei de Deus. A progressão dessa maldade tornou-se, mesmo para o conjunto da população, dura e difícil de suportar” (2 Mac 6,1.3).

Eleazar preferiu a morte. Alguns o instigaram a fingir que comia carne de porco. Mas ele recusou tal possibilidade. E explicou a razão para tal postura: não queria, a pretexto de ganhar alguns poucos anos de vida, deixar para os jovens um exemplo de fingimento e queria, com sua atitude, deixar para os jovens um exemplo de fidelidade a Deus. Isso mesmo, Eleazar estava disposto a perder a sua vida para deixar aos jovens a lição do quanto é importante viver com valores. Esse foi o seu testemunho. Um testemunho tão eloquente que os primeiros cristãos o reconheceram como um mártir pré-cristão. Como seria bom se nossos jovens pudessem viver num mundo onde os adultos realmente testemunhassem a importância de se viver segundo a Vontade de Deus. Quem de nós estaria disposto a renunciar algo pelo bem dos jovens. Quem?