O Ano de Mateus

Texto de P. Mauro Odoríssio, CP

A partir do dia 1º de dezembro deste 2013, começa o chamado “Ano Litúrgico A”. A grande maioria dos textos evangélicos a enriquecer as nossas celebrações litúrgicas será de Mateus. Eles iluminarão nossa caminhada espiritual. É importante que tenhamos deles uma visão panorâmica.

A autoria do Evangelho é questão aberta. O estudo do texto revela que o autor é exímio conhecedor da teologia judaica e dos usos e costumes dos judeus. Deixa a impressão de ser rabino convertido ao cristianismo que escreve, quer a judeus cristãos, quer aos que poderiam vir a sê-lo. Por isso, o Evangelista usa recursos literários e religiosos por eles valorizados, como a importância dado ao número “sete”, e que podem passar despercebidos por leitores de outras culturas. Assim, nele encontramos, e muito ao gosto dos judeus, as sete invocações no Pai Nosso (Mt 6,9-13), sendo que em Lucas há somente “cinco” (Lc 11,2-5).

Para ilustrar e comprovar a afirmação tomamos a liberdade de acrescentar novos exemplos: sete parábolas (Mt 13,1-50), sete “ais” (Mt 23,13-27), sete demônios (Mt 12,45), sete pães, sete cestos (Mt 15,34-37), perdoar setenta vezes sete (Mt 18,22).

Um leitor não inteirado dos usos e costumes judaicos fica sem compreender, mais aprofundadamente, muitas passagens do Evangelho. Sabendo que seus leitores tinham as informações básicas, Mateus não se dá ao trabalho de explicar-lhes termos ou circunstâncias que supunha conhecidos pelos leitores. É sinal que escrevia a judeus convertidos para confirmá-los na fé, e para os ainda não cristãos que poderiam se abrir a fazer parte do novo povo de Deus.

Humildemente o autor se nomeia “publicano” (Mt 10,3). A profissão era desconsiderada pelos judeus (Mt 9,9-11). A classe era tida como colaboradora dos dominadores romanos e desonesta. Tinham-na como impuros, não verdadeiros judeus.

É importante que tenhamos uma visão panorâmica do Livro para que nele possamos melhor situar e compreender o texto. Ele consta de uma primeira parte chamada de “Evangelho da Infância” que vai do nascimento de Jesus até a volta dele do Egito (Mt 1,1-2,23). A segunda parte apresenta o Batista pregando no deserto e, a seguir Jesus se apresentando como o missionário do Pai. É conhecida como “Vida Pública do Mestre (Mt 3,1-25,46). Finalmente, tem lugar o “miolo” do Evangelho: o Mistério Pascal (Mt 26.1-28,20).

É ainda importante observar que no texto ocorrem cinco vezes expressões mais ou menos semelhantes: “quando Jesus terminou este discurso ou parábola” (Mt 7,28;11,1;13,53; 19,1; 26,1). Isso levou à conclusão que o livro se divide em cinco partes (cinco “livrinhos”) que não somente evocam os cinco do Pentateuco como se inspiram neles. O número evoca, ainda, os cinco “livrinhos” do Livro dos Salmos, o Megillot (Rute, Cânticos, Lamentações, Ester e Eclesiastes).

Excluindo os dois primeiros capítulos de Mateus, chamados de Evangelho da Infância e o texto de Mt 26,2-28,20 que constitui o Mistério Pascal (Morte e Ressurreição de Jesus), resta a parte central do Evangelho. Nela estão os cinco “livrinhos” assim constituídos:

  • O programa do Reino (Mt 3,1-7,29).
  • O oferecimento do Reino (Mt 8,1-11,1).
  • Os mistérios do Reino (Mt 11,2-13,53).
  • A organização do Reino (Mt 13,54-19,1).
  • A consumação do Reino (Mt 19,2-26,1).

A grande expectativa dos judeus era a vinda do Reino e a do Messias ou Cristo, a saber, o esperado descendente de Davi. Por isso o Senhor apresenta esse Reino das mais variadas maneiras servindo-se das parábolas, recurso mais fácil para ser compreendido. Era dado aos ouvintes descobrirem que essa espera se concretizava nele.

Cada “livrinho” se divide em duas partes: a primeira é narrativa e narra um acontecimento. A segunda é mais didática; partindo do acontecido se passa ao ensinamento. Então, primeiro tem lugar o visível, o palpável, e a seguir, o reflexivo.

Que estes poucos dados nos propiciem compreensão mais aprofundada dos textos de Mateus que serão apresentados no chamado “Ano Litúrgico A” dedicado ao Evangelista.