Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Arrumam santos e santas para todos os gostos e sabores: uns são procurados como casamenteiros, outros para saldar dívidas, aqueles para achar coisas perdidas e quejandos.
Todavia, a Igreja não os apresenta com tais finalidades. Não são propostos como “quebra-galhos”, mas como modelos de virtudes, a serem imitados como tais. Uns são exemplo de perdão, outros de fidelidade a Deus, outros ainda, de amor sem medida ao próximo.
No dia 14 de dezembro a Igreja comemorou S. João da Cruz e, no dia 19 de outubro é celebrado S. Paulo da Cruz, fundador da Congregação Passionista. Os nomes deles podem levar à confusões. Mas, cada um é cada um; ninguém se repete, ninguém é cópia xérox de alguém ou reencarnação de quem quer que seja. O ser humano é absolutamente irrepetível: é quem é e de uma vez para sempre. É o que é com a sua história; intransferível, sem repeteco
Então, que dizer de S. João da Cruz e de S. Paulo da Cruz? São santos bem distintos um do outro, mas que podem ser confundidos pelos nomes parecidos. Mesmo sendo o que são eles têm muita coisa em comum; entre outras a de serem ambos grandes místicos.
Que é ser místico? De modo geral é viver profundamente a experiência de Deus, a profundidade, o mistério da vida religiosa, a comunhão amorosa com ele, sem qualquer ranço de alienação. Mais: ambos se tornaram grandes mestres de espiritualidade, sendo que o Fundador dos Passionistas alcançou píncaros da vida de oração por poucos atingidos: os esponsais místicos.
S. Paulo da Cruz viveu dois séculos (03/01/1694-18/10/1775) depois do grande místico carmelita (1542-1591) e abeberou-se em seus escritos espirituais, mas neles deixasse suas marcas pessoais.
S. João da Cruz tinha presente os “iniciantes” na vida de oração; mas, de modo especial se dirigia aos mais abertos ao caminho da espiritualidade. Retrata os estados de alma que enfrentam, chamando-os de “Noite Escura”, a que propicia a crescente purificação e santificação da alma. Nela e por ela o orante vai alcançando os graus mais elevados de perfeição. É-lhe tirado o gosto das coisas espirituais, entra no estado de aridez e nesse deserto está sempre à procura de Deus.
Com o coração inflamado pelo amor, o Santo se torna poeta para melhor descrever o que lhe ia no íntimo da alma. Assim começa a descrever o processo:
V. 1 – “Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada,
Oh! ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada”.
Controlando a parte mais sensível e com a “casa sossegada”, o coração tem condições de começar a alçar vôo, ou a subir os degraus que se sucedem levando cada vez mais às alturas:
V. 2 – “Na escuridão segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! Ditosa ventura!
Na escuridão velada,
Já minha casa estando sossegada”.
Assim, pelo estro poético melhor se revela místico excepcional.
S. Paulo da Cruz se abeberou nessa fonte cristalina e, por cerca de cinqüenta anos, viveu profundamente a “Noite Escura” (aridez espiritual), fato único na hagiografia cristã. Abraçou a mensagem do Calvário unindo-se a Cristo Crucificado (Gl 2,19). Seguiu a senda do Verbo que, sendo de condição divina, se despojou de tudo, abateu-se, humilhou-se (Fil 2,6-11) a ponto de se tornar “maldito de Deus” pela morte na cruz (Gl 3,13). Tudo em vista da redenção da humanidade. Desse modo, o Fundador Passionista vivenciou a mais profunda “Noite Escura” do Santo que tanto venerava. Mais do que a dor, descobriu na Paixão de Cristo a maior manifestação do amor divino, amor foi vivenciado ao máximo e que propunha a todos como pregador, como diretor de almas.
Agora, sob a égide de Paulo da Cruz, legiões palmilham pelo caminho árduo mas garantido da Paixão de Cristo, cientes de que é pela cruz que se chega à luz.