Texto de P. Alcides Marques, CP
Comecemos com uma historinha judaica. Os colegas do filho de um rabino comentavam com o moço a respeito do quanto era diferente de seu pai, bastante diferente. Ele então respondeu: “vocês estão enganados! Eu não sou diferente de meu pai, mas absolutamente igual: meu pai é e sempre foi uma pessoa única, original. E é assim que eu procuro ser.”
Não só ele, mas todos nós somos únicos, originais. E quanto mais formos assim, mais pessoa humana seremos. A originalidade é uma dimensão fundamental do ser humano. Ninguém deve e precisa copiar o outro. Cada um é quem é. Ninguém é melhor do que ninguém. A aceitação de si inclui a aceitação da originalidade. Acontece que nem todas as pessoas passam pela experiência de refletir sobre as características pessoais que a tornam uma pessoa única. Você tem feito isso? Quando não existe a aceitação da originalidade, podemos nos conduzir pelo sentimento de inveja. Ao querer roubar a felicidade do outro – a inveja é exatamente isso – uma pessoa está manifestando que não está conseguindo vivenciar adequadamente sua originalidade. O invejoso não se sente feliz e, por isso, precisa roubar a felicidade dos outros.
O cultivo da originalidade, no entanto, não pode ser pretexto para um fechamento em si mesmo. É possível, infelizmente, que façamos tanta questão de nossa originalidade, que acabamos nos fechando em nosso mundinho particular. Somos originais sim, mas o somos para os outros. O filósofo Sartre dizia que “o inferno são os outros”. Nós devemos dizer que “o inferno é a ausência dos outros”. Esta é a segunda dimensão do ser humano: a relacionalidade: ser para os outros.
A Santíssima Trindade é o modelo. Cada pessoa da Santíssima Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – é distinta da outra, ou seja, é única, diferente. O Pai não é o Filho, o Filho não é o Espírito Santo e assim por diante. Mas cada pessoa é para as outras. A Santíssima Trindade é assim desde sempre, é da essência da Trindade ser assim. E podemos concluir que também participamos desta característica divina.
Quando falamos em unidade na pluralidade, estamos falando destas duas dimensões: a originalidade e a relacionalidade. Devemos construir a unidade porque somos seres em relação, porque vivemos uns para os outros e precisamos uns dos outros. Mas para que esta unidade a ser construída não passe por cima da originalidade, devemos também acolher a pluralidade. Não se trata somente de tolerar, mas de aceitar e amar a diferença dos outros. O problema não está em sermos diferentes, mas em não colocarmos as nossas diferenças a serviço do bem comum.
A unidade deve ser construída. Não está pronta. Daí a necessidade de acreditar no poder do diálogo. Acreditar no milagre da palavra. Não ter medo dos conflitos necessários. Nem sempre eles são destrutivos. Tem hora na vida que precisamos encarar as divergências. Mas sempre com respeito ao mistério do outro, respeito e fraternidade. O importante é que o amor sempre vença. Podemos vencer os outros; mas quando o amor não vence tal “vitória” não tem sentido algum. É neste momento que a cruz de Cristo deve ser considerada. A cruz é o impulso que dispomos para sempre construir a unidade na pluralidade.