Tópos

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

O título é como está escrito; sem erro ou equívoco. Não se trata do verbo “topar”, presente do indicativo, 1ª pessoa singular. Alguém “topa” apostar?

Hoje atendíamos uma pessoa que nos procurou para um convite. O que seria coisa de minutos se transformou em conversa rica e fecunda. O amigo (já somos “velhos” amigos – não amigos velhos), usou a palavra “utopia” e ela deu sentido e direção ao nosso agradável bate-papo.

Tópos” é uma palavra grega e significa “lugar”, “espaço”. O termo é mais empregado do que imaginamos. Por exemplo: topografia = descrição de um determinado lugar; topologia = ciência, conhecimento desse espaço ou de estado de coisas. Daqui vem utopia, uma espécie de quimera, de sonho, de mundo irreal, imaginário. Utopia, porém, é ainda ver um além dos limites alcançados pelos nossos olhos, pela nossa inteligência. De modo especial, é enxergar, à luz da fé, um mundo concreto e plenamente saciativo: a pátria definitiva para todos os humanos.

Somos seres localizados num “tópos”. Temos consciência do aqui, do ali, do acolá e do além. Em nenhum deles se realiza a felicidade plena. Recordamos da mãe nos falando de pessoas sempre insatisfeitas: “fulano só gosta de estar onde não está”. E a vida nos constatou ser verdade.

Tivemos a oportunidade de viver em lugares distintos, diversificados. Quantas vezes nos questionaram: onde você mais gostaria de viver? Para fugirmos da questão, e mais para revelar nossa filosofia de vida, respondíamos: “onde estou”. Por que deixar os bens presentes lamentando os distantes que, ao menos no momento eram inatingíveis? Jamais nos pareceu bom negócio deixar um “aqui” concreto com seus valares, por um “ali” distante, inatingível, ao menos no momento.

Vivemos no Brasil e nos sentimos bem: estamos com parentes, amigos, na cultura nativa; os hábitos e costumes nos são conhecidos, apreciados. Todavia, aqui não temos o ambiente arqueológico, histórico da Terra Santa que tanto amamos e que nos são tão necessários. Quando lá, desfrutávamos daqueles bens que nos eram fantásticos, sentíamos que os familiares e a terra natal estavam distantes. O mesmo dizemos de quando vivíamos na Europa: tínhamos tanta arte, tanta cultura ao alcance das mãos, mas…

Os judeus saindo da escravidão do Egito sempre nos foram exemplo: caminhavam pelo deserto desafiador, se distanciavam da escravidão egípcia e, mais ainda, a terra onde corria leite e mel se fazia cada vez mais próxima. Ao conquistá-la deram o objetivo como atingido. Surgem, então, os Profetas dizendo-lhes: “Não! Esta pátria é imagem da verdadeira e definitiva a ser conquistada a cada dia. Ela é figura pálida e fugaz da permanente. Urge caminhar!”.

Por mais saciável que seja o melhor lugar do mundo, ele jamais terá condições de saciar plenamente todos os anseios humanos. Tanto que sentimos necessidade de importar, de viajar para conhecer novas terras, culturas típicas, ricas e enriquecedoras e gente diferente.

Seríamos frustrados por natureza, fadados a ser iludidos Sísifos felizes a levar pesada pedra a alto cume e, prestes a cumprir a missão, vê-la rolar ribanceira abaixo? Restar-nos-ia a frustrante missão de apenas fingirmos ser afortunados, na terra, como disse Camus? Nesse caso, dotados de razão e capacitados a amar indefinidamente, a vida seria um absurdo. Ela só tem sentido com a abertura à posse da felicidade plena só realizávelem Deus. Somos, inevitavelmente, chamados a ser cidadãos do céu.

Constatamos que a terra onde estamos, assim como outras onde poderíamos estar, são demasiadamente pequenas para o nosso anseio de plena realização, de plena felicidade. Mesmo se, ilusoriamente, nos apegamos a ela ou a uma delas. A única coisa que poderão nos proporcionar é uma tumba definitiva, mas fria e sem sentido. Somos cidadãos terrestres, mas, chamados para a cidadania celeste, Com carradas de razão Heb 13,14 nos recorda que não temos aqui, uma pátria definitiva, mas, procuramos a futura.

Quando vemos aeronaves transatlânticas cruzando os nossos céus, mal imaginamos que sofisticado piloto automático corrige, constantemente, o plano de vôo para que alcance o aeroporto destinado. E, mais do que elas, estamos em viagem para a terra-do-todo-sempre.

A Quaresma é oportunidade impar para direcionar a nossa caminhada para a comunhão eterna com o Pai Celestial. Essa estrada deve ser palmilhada célere e crescentemente.