Texto de P. Alcides Marques, CP
Nós, cristãos, somos herdeiros da tradição judaica, expressa no que chamamos de antigo testamento. A vinda de Jesus Cristo, a quem nós acreditamos que é o Messias Prometido, não acaba com a tradição judaica, mas a plenifica. E um tema teológico caro à tradição judaico-cristã é a idolatria. Quem crê verdadeiramente em Deus (de Israel e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo) deve reconhecê-lo como o único Deus e não colocar nada nem ninguém em seu lugar. Idolatria é exatamente isso: a tendência de substituir Deus, de colocar outro em seu lugar ou de não coloca-lo em primeiro lugar. A tentação da idolatria, como veremos, é constante. E precisamos combate-la, primeiramente em nós. Isso cotidianamente. Não é fácil!
Antes de tudo, devemos reafirmar que idolatria não é uma questão de imagem. Imagem é uma representação, como as fotos que tiramos de pessoas, animais, natureza. A idolatria tem a ver com a postura de adorar o que não deve ser adorado, ou seja, dar valor absoluto ao que não é absoluto. A idolatria é a adoração da obra humana. O Sl 115,11-13 é bastante ilustrativo: “O nosso Deus está no céu e faz tudo o que deseja. Os ídolos deles são prata e ouro, obra de mãos humanas: tem boca, mas não falam; tem olhos, mas não veem; tem ouvidos, mas não ouvem; tem nariz, mas não cheiram”.
Absoluto é o que existe “em si” e “por si”, ou seja, o que tem em si mesmo a razão de sua existência. Relativo é o que não tem em si mesmo a razão de sua existência, o que depende de outro para ser o que é. Nesse sentido, só há um absoluto e tudo o mais depende desse absoluto, é relativo a ele. Indo direto ao ponto: o único absoluto é Deus. O princípio da idolatria vem de tendência humana de absolutizar coisas ou pessoas. A pergunta que deve ser feita é a seguinte: o que ocupa o primeiro lugar em minha vida? O que é o absoluto em minha vida? A resposta indica o “seu” deus. Se o absoluto for o Deus de Jesus Cristo, então estaremos adorando quem realmente deve ser adorado. Mas pode acontecer do absoluto ser o seu (meu) próprio eu (egolatria), pode ser outra pessoa, pode ser “valores” do mundo atual (fama, sucesso, riqueza, beleza, saúde etc.) e pode ser o mais terrível de todos os deuses: o dinheiro. Lembremos que as vezes que Jesus aborda a questão da idolatria; coloca em paralelo Deus e o dinheiro. “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro (Mt 6,24)”.
O ato de adoração, portanto, só pode ser destinado ao único absoluto: Deus. “Sabei que Iahweh é Deus, ele nos fez e a Ele pertencemos, somos seu povo, o rebanho do seu pasto (Sl 100)”. Reconhecer a Deus como absoluto não é somente um ato de culto, mas uma maneira de viver. Se eu acredito realmente em Deus, tudo o que acontece em minha vida deve ser visto em função desta minha fé. O justo vive da fé (Hab 2,4; Hb 10,38).
A tendência idolátrica é uma tentação constante e precisamos vencê-la a cada dia. Para isso, existe a necessidade da recepção da Eucaristia e da Palavra; da fidelidade aos mandamentos de Deus, sobretudo do mandamento do amor proposto por Jesus. A quaresma é um tempo especial de conversão, de sintonia dos nossos caminhos com os caminhos de Deus.