Experiência e devoção

Texto de P. Alcides Marques, CP.

Você já teve oportunidade de contemplar um pôr-do-sol? Se não, não sabe o que está perdendo. Se sim, quando foi? Tal experiência tem sido frequente ou rara? Convenhamos: trata-se de uma experiência realmente fascinante. Mas, para que isso aconteça é preciso que você se entregue plenamente ao momento contemplativo; que dirija não só o seu olhar, mas todo o seu ser a este momento. Não são palavras ou sentimentos que contam, mas a própria entrega a algo (pôr-do-sol) que nos faz sentir que estamos vivos. É sobre “experiência” que vamos refletir.

A palavra “experiência”, etimologicamente falando, pode ser desdobrada em três: “ex” (que quer dizer “fora”), “peri” (ao redor) e “ciência” (saber). Experiência seria o saber que emerge da capacidade de “sair de si” para acolher o que está acontecendo ao seu redor. Não é um saber racional, mas um saber que vai além da razão. Exemplo: uma coisa é você ouvir no rádio a canção de seu artista preferido; outra coisa é você participar de um show do mesmo. No primeiro exemplo só há experiência da música. No segundo, há uma experiência da música e de quem canta a música. Você faz a experiência de ser parte de um acontecimento. A riqueza da experiência está em saber que aquele momento é único.

Vamos refletir em que sentido a experiência pode contribuir para a vivência de um cristianismo mais autêntico. Para isso, precisamos colocar em paralelo, devoção e experiência. Devoção tem a ver com prática religiosa. Ir a missa pode ser simplesmente uma devoção, uma prática religiosa. A prática religiosa tende a se tornar um hábito, prática pela prática; algo sem sal, sem sabor, sem muito sentido. Por que você vai à missa? Você poderia dizer: vou porque vou, vou porque é uma obrigação ir, vou porque a Igreja exige, porque é um mandamento de Deus. Observe que não está existindo uma experiência da missa, mas uma prática religiosa. A experiência vai além da prática.

Infelizmente, temos uma dificuldade incrível de fazer do cristianismo uma experiência. Achamos mais fácil reduzi-lo a um conjunto de práticas religiosas. E acabamos ficando com esse mais fácil. O que seria viver o cristianismo como experiência? Faça o seguinte: leia o Evangelho da Samaritana (Jo 4) ou o do cego de nascença (Jo 9). Perceba que os dois fizeram uma experiência de estar com Jesus, dialogar com Jesus, deixar-se atingir por Jesus e tornar-se mensageiro de Jesus. Cristianismo é Cristo. Só isso. Tudo o mais só tem sentido quando ajuda a fazer essa experiência: a experiência da presença libertadora de Cristo em nossa vida.

No Evangelho da Paixão procure ver a si mesmo dentro dos acontecimentos. A Paixão de Cristo não é um espetáculo para ser assistido, mas a fonte (junto com a ressurreição) de nossa salvação. Eu não sou um mero expectador da Paixão, mas sou parte da mesma. É para mim, para nós, que Cristo morreu na cruz. Procure abrir-se à experiência de ser amado (a) por Deus. Procure deixar que este amor divino flua em sua existência e marque a sua maneira de pensar, sentir e agir. Peçamos a graça de fazer de nossa fé uma experiência de vida.