Texto de P. Mauro Odorissio, CP
O mundo evangelizado por Paulo tinha o corpo humano como prisão da alma. Era de todos se libertarem dessa cadeia. Por isso que os atenienses, ouvindo-o falar em ressurreição, voltaram-lhe as costas. Poucos acolheram a sua mensagem; entre estes, Dionísio e Damaris que descobriram a riqueza do novo anúncio: (At 17,22-34): a ressurreição de Cristo e a nossa!
Todavia, a ressurreição pode ser encarada de modos diferentes. E sempre é um desafio.
Ao nascermos, de certo modo, começamos a morrer. Energias são consumidas e precisam ser repostas. O simples nascimento implica desgaste; mas, de imediato vem a primeira amamentação. O característico processo de “morte e ressurreição” continuará ininterrupto no decurso da vida: energia se esvai, energia se repõe. E especialistas dizem que, depois de seis anos, nada temos do corpo que tínhamos. A única coisa que permanece é a alma.
Todavia, ela precisa do corpo para que a pessoa possa se comunicar. Sem ele, ela é absolutamente incomunicável: cega, surda, muda. Mais: a alma sozinha não é ser humano, como só o corpo também não o é. Os seres compostos carecem dos componentes para serem o que são: só oxigênio e só o hidrogênio não são água. Nós precisamos do nosso corpo e de nossa alma.
É inconcebível que o ser humano se “nadifique” ao morrer. Dotado de alma racional, enriquecido pela razão, pela capacidade de amar, detentor de uma história e da liberdade, não pode se transformar no inconcebível nada. Então, no preciso momento da morte, é dado à alma um corpo especial. Esse estudo é mais atinente à filosofia, à antropologia ao refletirem o ser humano. A consideração religiosa se volta mais às chamadas ressurreição “escatológica” e “incoativa”.
A escatológica diz respeito à que aconteceria no final dos tempos. O objetivo é afirmar a vitória final de Deus sobre o mal; sem os temidos toques das trombetas (Mt 24,31). Tanto que o Bom Ladrão não precisou deles e nem esperar pelo final dos tempos: de imediato, após a morte, foi para o “hoje sem fim” (Lc 23,40-43). O mesmo aconteceu com Nossa Senhora e… com todos.
A ressurreição incoativa é dom de Deus e já pulsa no coração humano. É assim chamada porque vem de “incoar” que significa começar. Ela já está, embrionariamente, no coração humano. E, lamentávelmente, ela é tão pouco difundida na catequese, na pregação, na direção espiritual. A ressurreição incoativa já pulsa nos corações dos discípulos e é o participar da morte, sepultura e ressurreição do Mestre: “com ele vocês foram sepultados no batismo, e nele foram, também, ressuscitados mediante a fé no poder de Deus, que ressuscitou Cristo dos mortos” (Col 2,12). Mais adiante Paulo usará o verbo ressuscitar no passado: “Se vocês já ressuscitaram (syneghérthete: aoristo = pretérito perfeito) com Cristo, procurem as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Pensem mais nas coisas do alto do que nas terrenas” (Col 3,1-2).
Então, como dom dado pelo Senhor, ela, presente em nossos corações, deve ser trabalhada, robustecida, para que produza os frutos atinentes de vida eterna. Assim ela, dinâmica e frutuosamente crescerá sempre e cada vez até a comunhão definitiva (1Cor 15,28).
Mas, pensemos: a ressurreição de Cristo foi o grande anúncio e a grande riqueza do cristianismo, pois a nossa exaltação está embutida na do Mestre. É normal que, judeus e pagãos convertidos se interessassem em saber o que era a ressurreição e como ela aconteceria.
Os coríntios questionaram Paulo como sedaria, e como seria o corpo ressuscitado. Ele responde, mas revelando certo mal estar, como que a dizer: vocês não têm algo mais importante a perguntar? Mas, atende e exemplifica: quem semeia lança à terra a semente que, como tal, deve “morrer”; só então se transformará em planta produtiva. Mas, cada semente tem o seu “corpo”, seu modo próprio de ser: o do arroz como arroz, o do feijão como feijão. E continua exemplificando: existe carne de peixe, de ave, de animal e humana. Assim o ressuscitado receberá corpo especial (1Cor 15,35-58), um corpo glorioso (Fil 3,21). Não será menos corpo, mas, corpo ao seu novo modo de ser, na eternidade. Deus é quem proverá tudo e sempre do jeitinho amoroso dele.
Paulo não se interessa tanto no “como”, mas no “que” da ressurreição, isto é, no essencial.
Agora, em visão de fé, de esperança e de amor, a todos, SANTA E FELIZ PÁSCOA!