Gemma; a gema de Jesus

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Vivemos, ainda, o reflexo da celebração de Santa Gemma (16/05) e, atendendo solicitações, partilhamos com os leitores algo da reflexão feita na Eucaristia.

Principiemos pelo título: ele pode sugerir que a Santa nasceu tal. Isto porque as gemas podem deixar a idéia de já serem preciosas na origem, dispensando posterior ação aperfeiçoadora do buril.  Gemma, não! Como Paulo, colaborou eficazmente com a graça recebida (1Cor 15,10), correspondeu ao amor divino. Desde criança almejou “il paradiso”, herança de sua mãe gravemente enferma.

A Santa, portadora de fenômenos paranormais (estigmas, marcas sangrentas de flagelações, conhecimentos e visões extra-sensoriais à distância [telepatia], ciência do futuro [pré-cognição], visões, etc.), não se deixava impressionar. Apenas desejava “ser como as outras jovens”.

Almejou, ardentemente, ser monja passionista. S. Gabriel, também passionista, em visões lhe garantira que o seria. Contudo, jamais ultrapassou os umbrais do mosteiro que lhe fechou as portas até na participação de um retiro. E ela, sempre serena. Parecia saber que existem verdades mais e menos evidentes. Algumas estão mais escondidinhas e solicitam maior intelecção.

 Mas, será que a Santa jamais foi passionista? Reflitamos.

Em polêmica com Jesus, judeus defendiam ser descendentes de Abraão. O Mestre acatou a afirmação, mas como “meia verdade”, por sinal, a que parecia mais evidente. Reconheceu que o eram, mas só parcialmente e segundo a carne. Não o eram no espírito, pois a vida deles não condizia com a do Santo Patriarca (Jo 8,31-47). Tanto que João classifica uns compatriotas como judeus e outros, como Israel (Jo 1,31.49; 3,10; 12,13); todos são descendentes de Abraão pelo sangue, mas não espiritualmente .

Paulo desenvolvera a tese partindo de Abraão que fora justificado pela fé e não pela circuncisão ou pela observância da Lei; sem exigência acatou o chamamento divino e foi, por isso, justificado (Gn 12,1-9). Só mais tarde foi circuncidado (Gn 17,23-27). Portanto, a circuncisão não justifica e nem mesmo as obras da Lei que então não existia. O Apóstolo acrescenta que a Abraão foi prometido ser pai de “muitos” povos e não apenas de um único ( Rm 4,13-22). Conclui, então, categoricamente: nem todo descendente de Israel é Israel, nem todo descendente de Abraão é seu filho (Rm 9,6-8). É de se distinguir, então, que uma coisa é ser filho de Abraão (tekna), e outra é ser apenas seu descendente carnal (spérma).

O Apóstolo se explica partindo de Abraão que, antes de Isaac, teve Ismael, gerado de Agar (Gn 16,1ss), assim como outros seis filhos com Cetura (Gn 25,1ss). Todavia, só Isaac, de Sara, foi o filho da promessa. Somente a ela e a Abraão foi prometida essa tão esperada descendência (Gn 17,15ss; 18,1-15). Apenas Isaac foi o filho da obediência à fé (Gn 21,1ss). É dele, portanto, que procede a descendência do Patriarca. E Paulo, conclui: uma coisa é ser filho carnal de Abraão, e outra, da promessa. Só este é descendente do Patriarca (Rm 9,7). Portanto, a paternidade abraâmica se abre a todos os povos e não só a um (Rm 4,13-22). Para ser tal é fundamental estar animado pela fé, e não pelo sangue de Abraão.

Concretizando, juridicamente, Gemma jamais foi passionista. Não ingressou em algum dos ramos da frondosa árvore plantada por S. Paulo da Cruz. Mas, inegavelmente, é uma das mais destacadas passionistas. Pode-se afirmar, sem temor de equívoco, que membros oficiais, jurídicos da Família Passionista, podem estar muito aquém da pertença peculiar de nossa tão querida Santa.

Apenas para ilustração: S. Paulo da Cruz fundou a Congregação dos Religiosos e das Monjas Passionistas. Daqui surgiram ramos femininos que vivem o mesmo carisma: as Irmãs Passionistas.  Existe, anda, o Instituto Secular da Paixão que faz a mesma consagração, mas não vivem em conventos, em comunidades; cada qual exerce suas funções no “mundo”. São rapazes e moças, homens e mulheres que moram nas suas casas. Dele fazem parte também casais. Incluímos, agora, os Leigos Passionistas. Não fazem votos como os interiores, mas, quer como pessoas, quer como casais, vivem a espiritualidade passiológica.

Destacamos, no momento quem, em Paróquias Passionistas ou não, e sem se consagrarem, como Santa Gemma fazem parte da Família Passiológica, vivenciando a espiritualidade da Paixão, assimilando e  irradiando o amor apaixonado do Eterno Pai que não se “poupou” ao nos dar o próprio Filho (Rm 5,6-10) que, tendo nos amado, nos amou até o fim (Jo 13,1).

Em cultura marcada pelo hedonismo, a ponto do amor ser caracterizado como fruição pessoal à custa dos outros, é de todos os Passionistas, consagrados ou não, contemplando o Crucificado, nele descobrir a grande escola do verdadeiro amor que leva à paixão (Jo 15,12-13).

Que S. Gemma nos ilumine e nos assista.