Não tão bíblicos, mas bíblicos

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Nos dias 25 e 26 de maio de 2014, os nossos meios de comunicação realçaram a visita do Papa Francisco a uma das regiões mais explosivas do mundo, contraditoriamente conhecida como Terra Santa. Sua missão de paz não é fácil; qualquer deslize ou palavra fora do convencional podem ferir suscetibilidades. Ele almeja levantar pontes de comunicação e de diálogo; tem algo a dizer e o terreno é minado.

Ordinariamente, em nossos encontros consideramos temas preponderantemente bíblicos. Os que agora refletimos continuam sendo, mas não tanto em sua aparência. Pode parece que abandonamos a estrada régia. Daqui o título um tanto esdrúxulo que encima o estudo: “Não tão bíblicos, mas bíblicos”.

Os dois temas são distintos: no primeiro, a “argumentação não parece ser bíblica, mas o é. No segundo, o “ato pode parece ser político, provocativo, e nós o consideramos bíblico. Assim, mesmo parecendo ambíguo, reassumimos o cabeçalho, esperando ser mais transparentes no decurso da reflexão.

Evocamos duas informações dadas pelos nossos meios de comunicação. A primeira mostrava o Santo Padre visitando a Basílica da Natividade. Em seu subsolo está a Gruta de Belém. A segunda o apresentava rezando, com a cabeça encostada no muro levantado pelos judeus, separando-os dos palestinos. Trata-se de uma atitude bíblica ou de gesto puramente pessoal, profético, agressivo?

Vamos ao concreto, abordando separadamente os dois acontecimentos.

Comecemos pela visita do Papa a Belém que dista uns 9 km ao sul de Jerusalém. Os repórteres insistiam na afirmação: “como se acredita, aqui nasceu Jesus”. Pediria aos leitores que observassem: não usaremos tanto a reflexão por todos tida como bíblica e sim, uma aparentemente “não bíblica”. Ela se fundamenta na arqueologia que, por sinal, é importantíssima em nossas investigações.

Ser-nos-ia simples, partindo de Lc 2,4-7 e Mt 2,4-6, afirmar que Jesus nasceu em Belém e ponto final. Mas sei que abalizados exegetas dizem que o nascimento ter-se-ia dado em Nazaré, onde viveu até partir como missionário do Pai. Tanto que era chamado “nazareno” (Mt 2,23; 26,71; Jo 19,19).

Respeitamos a tese assumida por colegas capacitados e sérios em suas argumentações. Acatamos, porém, que lá o Verbo se fez carne (Lc 1,26-38), mas que Jesus nasceu em Belém. Não nos arrimamos só em textos evangélicos (Lc 2,1-20; Mt 2,1-8); propomos, também, argumento “extra-bíblico” e  vindo do paganismo. Com isso esperamos brindar os leitores e explicar o nosso título estapafúrdio.

135 d.C.: os romanos venceram os judeus na guerra que travaram com eles. Adriano destruiu e reconstruiu Jerusalém que passou a se chamar, por séculos, Aelia Capitolina. Para afastar os judeus da cidade, edificou templos pagãos nos lugares de veneração judaica. Isso era, para eles, odiosa profanação. Assim, no lugar onde estava o templo, edificou outro dedicado a Júpiter, Juno e Minerva, divindades pagãs. Viu peregrinos visitando o Calvário, o Santo Sepulcro. Os romanos não distinguiam os cristãos dos judeus. Então, para profanar, no Calvário o imperador levantou um templo dedicado à deusa Afrodite.

Agora, atenção! Em Belém, no interior da Basílica da Natividade, está a gruta do nascimento de Jesus. Ao redor dessa gruta os romanos, para “profanar o culto judaico”, plantaram um bosque dedicado a  Adônis, o jovem e belo deus grego. Isto comprova que bem antes do ano 100, os cristãos peregrinavam, também, para o local do nascimento de Jesus. E eram tantos que chamaram a atenção dos romanos.

Resumindo: trata-se de argumento arqueológico, pagão, a confirmar o texto bíblico.

Agora, vamos para o outro particular que nos tocou e que prometemos considerar: o Papa rezando, com a cabeça encostada no enorme muro que os judeus construíram dando um “chega pra lá” aos palestinos. Tomemos  a liberdade de entrar no coração pontifício: não estaria ele suplicando  que aquelas pedras separatórias fossem usadas na construção de pontes confraternizantes? Seria puro ato político, até provocativo, ou o desejo da concretização bíblica: “Cristo é a nossa paz. De dois povos fez um único e em sua carne derrubou o muro da inimizade que os separava” (Ef 2,14).

Tais arrazoados podem parecer  “não tão bíblicos, mas ele são bíblicos”.