Texto de P. Mauro Odoríssio, CP
O ser humano é muito menos ilha do que imagina. Cada vez mais se descobre parte integrante do mundo onde se situa. E, por acréscimo, sabe-se dele senhor, com capacidade de sempre mais, conhecê-lo, adaptá-lo e controlá-lo para seu próprio bem estar. Aliás, ele recebeu essas missões do Criador: reger as aves dos céus, os animais da terra e os peixes dos mares (Gn 1,26).
Mas a Bíblia vai além dos conteúdos, a saber, dos animais; envolve também os seus continentes que são o ar, a água e a terra. Sim, o mundo todo, desde o início, foi colocado nas mãos dos humanos para que o regessem, organizassem e dele se servissem dentro dos critérios divinos.
Mas não foi só essa a missão deles; além de poder se servir dos bens da natureza, ele foi plasmado a ser imagem semelhante ao Criador (Gn 1,27). Mais concretamente, como lhe seria revelado com maior profundidade no futuro, cabia-lhe ser íntimo de Deus. Viveria neste mundo servindo-se de seus bens, adaptando-o às suas necessidades por meio da ciência, do trabalho, etc. Todavia, consciente da transitoriedade das criaturas, mais deveria ter presente os valores eternos. Enfim, na caminhada terrena há valores e valores: eternos uns, fugazes outros.
Neste ínterim, a criatura racional não se sente ilha, mas se vê, em primeiro lugar, relacionada consigo mesma. Carecendo deste relacionamento profundo, não se descobre em verdadeiros onde, donde e para onde. Viaja (se é que viaja) sem bússola, sem estrela polar! Vive a pior das esquizofrenias. É o que acontece não havendo bom relacionamento consigo mesmo. Alem de “ilha e ilha isolada”, é também, desestruturada. Ilha que se implode!
Do diálogo consigo mesmo, a criatura racional fica em menores condições de se abrir ao mundo exterior, do micro ao macrocosmo. Sabe tê-los ao seu serviço, à sua vantagem. Diariamente toma conhecimento de como estão sendo colocados, sempre mais, ao nosso bem, e não só, mas igualmente ao serviço da humanidade. Embora nem sempre como deveria, não é verdade?
Todavia, a mente e o coração humanos são irrequietos, insaciáveis: a imensidão do universo não lhe basta. A criatura racional se sente chamada a ser não apenas cidadão terreno, mas também celestial. Compreende que apenas os valores terrenos, passageiros não lhe satisfazem, não lhe completam. E justamente aqui podem acontecer conflitos. Pode surgir a postura do “mais vale uma galinha na mão do que mil voando”, e emergir o relativismo vivencial que inverte valores. Com isso, muita cabeça deixa de refletir, entra em delírio e passa a optar insensatamente.
Peço licença aos pacientes leitores para uma pequena digressão.
Escrevo estas considerações em atividade pastoral, fora de S. Carlos. De há muito não leio em conduções; preciso salvar o pouco de visão que me resta. Mas, viajando, há dias, nas paradas do ônibus aproveitava os momentos para “conversar” com o meu companheiro de viagem: o “As chaves do Inconsciente”. O “papo” estava bom; a cada oportunidade eu abria avidamente o meu livro. A vizinha de assento, “incuriosada” desejou saber o que eu lia. Apresentei-lhe o meu companheiro, o “As chaves do inconsciente”, pedi licença a ele e, enquanto o ônibus rodava o papo corria solto. No final, cheguei ao título deste estudo: “o Bem e o bom”.
Refleti com ela que Deus não é bom; ele é o BEM. Só ele é plenitude, e só nele nos plenificamos, nos realizamos. Fora dele, debalde pulsa o nosso coração irrequieto e insaciável, como dizia o gênial S. Agostinho. Só no Senhor nos aquietamos.
Mas, para os imediatistas, para os míopes ou cegos de coração, isto pode parecer as “mil galinhas voando” e, assim preferirem o transitório, o “bom” imediato que lhe vem colorido, promissor e ao alcance das mãos. Ignora as conseqüências e pouco se importa com os danos causados aos outros. Então, troca do BEM com o que lhe é “bom” por lhe trazer vantagens pessoais, mas sem visão transcendental e fraterna. Dessa maneira, o bom se transforma em “mal”.
Daqui a conversa entrou na corrupção reinante, na desonestidade, nos males que afetam a vida familiar, social, política, econômica, etc. O BEM é olvidado e o bom, absolutizado, tornando o mal. O direito de primogenitura é trocado por ilusório prato de lentilha (Gn 25,29-34).
Agora me calo e deixo o leitor dialogar consigo mesmo sobre a malfadada possibilidade de trocar o BEM pelo passageiro e enganador “bom”, fazendo, assim, que surja o mal
Na esperança de conversa mais direta, a partir de 1º de julho, fraternalmente.