Texto de P. Alcides Marques, CP
O Novo Testamento atesta que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são realmente três, ou seja, se relacionam mutuamente. Atesta também que são de condição divina. Mas nunca insinua que são três deuses. Ao contrário, sempre deixa claro que formam uma unidade absoluta. Como afirmar simultaneamente o um e o três em Deus? A Igreja precisou de um tempo para poder aclarar melhor o significado de sua convicção trinitária, normalmente impulsionada por controvérsias (heresias) que teimavam em negar o “três” para afirmar o “um”. Duas foram as grandes controvérsias trinitárias: o modalismo e o subordinacionismo. Comecemos pelo modalismo.
O modalismo foi uma das controvérsias mais sérias enfrentadas pelo cristianismo dos primeiros séculos. Para os modalistas, Pai, Filho e Espírito Santo são três modos de agir do mesmo Deus. É o mesmo Deus que ora age como Pai, ora como Filho, ora como Espírito Santo. O modalismo é uma maneira fácil de explicar a Trindade, pois qualquer pessoa pode entender a explicação acima. O problema é que nega realmente a Trindade, já que não se trata de três, mas de um só (que age como se fosse três).
O primeiro momento do modalismo deu-se volta do ano 190. Nesta época, aparecem na Ásia Menor os “monarquianos” (monarquia = um só princípio) afirmando que só existe o Pai. Daí que, segundo eles, seria necessário crer que foi o próprio Pai que encarnou, padeceu e morreu sob o nome ou figura de Jesus. Foram ironicamente taxados de “patripassianos” (os que faziam o Pai sofrer).
Mais tarde, Sabélio elaborou de uma maneira mais culta a tese modalista, e por isso tal orientação acabou recebendo o nome de sabelianismo. Não se fala mais que o Pai morreu na cruz sob a figura de Jesus, mas que o Pai assumiu totalmente o ser do homem Jesus. Assim sendo, toda ação do homem Jesus expressava o ser divino (do Pai).
O modalismo sabeliano tende a negar o Deus-conosco da história. Deus (Pai) age através de Jesus, mas Jesus não é Deus na história, é apenas um instrumento humano da ação divina. A existência humana, seus sofrimentos, seus compromissos, sua história, perdem a característica divina que é dada pela encarnação real do Verbo. O Deus modalista não entra na história, apenas representa um papel, através do homem Jesus.
No entanto, o que é mais grave no modalismo é que ele nega o caráter pessoal da Trindade (três pessoas que se relacionam mutuamente) e reduz o Deus cristão à “natureza divina”, ao Deus-natureza. Se Deus não é propriamente pessoa, as pessoas humanas não possuem um significado divino. A ideia do Deus-natureza justifica a redução do ser humano à sua condição de natureza.
O melhor caminho para não amar uma pessoa, é etiquetá-la, catalogá-la, vê-la apenas em sua função social, objetiva. Em resumo: reduzir ao “natural” o conhecimento de uma “pessoa”. Uma vez que catalogamos alguém, passamos a nos relacionar com ele a partir das expectativas sociais inerentes a tal função e não como uma pessoa que tem história, sentimentos, opções etc. Aí não haverá espaço para relacionamentos profundos, solidários, genuinamente humanos.
Concluindo: para o modalismo não há uma verdadeira encarnação, uma presença divina na história humana; as pessoas humanas são somente pessoas humanas, pois não há um valor divino em ser pessoa. A doutrina trinitária, ao contrário, afirma que Deus entrou na história humana e que a pessoa humana tem um valor divino que deriva das próprias pessoas da Santíssima Trindade.