Correção fraterna

Texto de P. Alcides Marques, CP

Quem quiser ser discípulo de Cristo deve, antes de tudo, renunciar a si mesmo e tomar a sua cruz (Mt 16,24ss). Renunciar a si mesmo significa estar preparado a dizer não a si mesmo. Aqueles quem seguem a Cristo devem também estar dispostos a seguir os caminhos traçados por Cristo, ou seja, percorrer os caminhos indicados por Ele, não pelos seus impulsos naturais. E isso só será possível quando formos capazes de renunciar às nossas próprias soluções e caminhar segundo as soluções de Cristo. Um dos mais difíceis “nãos” que dizemos a nós mesmos é a renúncia decidida ao julgamento das pessoas. Mas isso não quer dizer que não devemos corrigi-las quando erram.

Normalmente, os nossos julgamentos desembocam na acusação. Sabe quem o livro do Apocalipse chama de acusador? Ele mesmo, o diabo. “Porque foi expulso o acusador de nossos irmãos, aquele que os acusava dia e noite diante do nosso Deus” (Ap 12,10). O poder de Cristo vem para vencer o Acusador (e seus aliados). No sacramento da Penitência só existe a absolvição do pecador. A absolvição pode até ser adiada, mas nunca haverá condenação. É um tribunal ao contrário: o “réu” se acusa e o “juiz” (em nome de Cristo), absolve.

O Evangelho fala em “não julgar”. Não julgar no sentido de não acusar, condenar. E isso porque a salvação pertence a Cristo e Ele quer que todos se salvem (1Tim 2,4). Também porque precisamos do perdão de Deus (Lc 6,37). Quando julgamos uma pessoa, estamos nos colocando no lugar de Cristo. Não temos como atingir o interior de uma pessoa, mesmo uma pessoa mais íntima, para saber o quanto ela é responsável pelos seus atos. No filme “os últimos passos de um homem”, é dito que uma pessoa é sempre maior do que os seus atos.
Não julgar, por sua vez, não implica que devemos nos manter passivos e coniventes com ações maldosas das outras pessoas. Sem dúvida, precisamos nos proteger das consequências negativas dos atos alheios. Não temos como condenar uma pessoa, mas temos como perceber o quanto que suas ações podem nos prejudicar e devemos nos defender disso. É preciso superar uma visão ingênua das pessoas, que acoberta o mal que as mesmas praticam. Todo mal deve ser denunciado como tal. No Pai Nosso nós pedimos: “livrai-nos do mal”. É por isso que nós cristãos não somos contra as prisões, pois a sociedade tem o direito de se proteger do mal e as pessoas que praticam o mal tem o dever de refletir (obrigatoriamente) sobre o mal praticado e buscarem vencer seus impulsos destrutivos.

A correção fraterna é uma obra de misericórdia (espiritual): corrigir os que erram. Exatamente. Não julgar a pessoa, mas ajudá-la a melhorar, a superar o erro. Lembremos que o compromisso com a verdade é parte integrante da fé cristã. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). O discípulo de Cristo tem um compromisso com a verdade. Com a verdade e o amor. Devemos nos convencer de uma vez por todas que o amor é da essência da fé cristã e amar inclui o compromisso de ajudar o próximo no caminho do bem. A correção fraterna deve ser encaminhada como parte do amor. É por causa do amor, com amor e para o amor, que a correção fraterna deve ser realizada. Pela verdade, mas, sobretudo, pelo amor.

Muitas famílias e comunidades cristãs fazem o caminho errado da convivência pacífica. Eu fico com os meus erros e ninguém me perturba e você fica com os seus erros e ninguém te perturba. Mas o que significa tal prática, concretamente falando? A renúncia do amor. E onde está escrito no Evangelho que devemos renunciar ao amor devido? Em que parte? Nenhuma. Corrigir o próximo é uma obrigação e deixar-se corrigir também. Não somente em nome da verdade, mas em nome do amor.