Texto de P. Mauro Odorissio, CP
18 de outubro: festa de S. Lucas. Numa solenidade como a de hoje, em 1775, ao saber da morte de S. Paulo da Cruz, Pio VI teria dito: “Oh! Beato lui” (feliz ele!). Exigiu que o Santo tivesse funeral solene às expensas pontifícias. Afirmou que o Venerando Ancião não poderia ter morrido em dia mais apropriado, pois S. Lucas foi o Evangelista “passiólogo”: sua teologia se fundamenta solidamente, como a de Paulo da Cruz, no Mistério Pascal: Morte e Ressurreição do Senhor!
A afirmação papal vai além da conveniência circunstancial ou do elogio de ocasião: ele venerava o Fundador Passionista e sabia que a teologia do Evangelista também era “passiocêntrica”.
Realmente, o pensamento teológico de Lucas se centraliza em Jerusalém. Não por ser a cidade tida como santa, nem por ser o centro da vida religiosa dos judeus. A importância de Jerusalém era por lá ter acontecido o mistério pascal. Na verdade, o importante eram a morte e ressurreição de Jesus.
Voltemos à história. Além da idade avançada, S. Paulo da Cruz estava com a saúde debilitada. Semanas antes do dia 18 de outubro, parecia que a hora da passagem chegara. Perante a comunidade reunida, recebera os Sacramentos e fizera longa recomendação aos seus religiosos. Alguém anotava tudo. Em determinado momento sentiu a consequência do esforço e num fio de voz, terminou: “non me la faccio più” (não suporto mais). E calou-se. Contudo, chegou até a festa de S. Lucas, o Santo marcado, como ele, pelo amor revelado na Cruz. Foi quando o Fundador partiu para a glória do Pai.
Agora estamos em condições de aprofundar a tese apenas esboçada: o pensamento teológico e a espiritualidade de Lucas são marcados pela Morte e Ressurreição de Jesus.
Ele desenvolve seu pensar e seu viver nos dois livros que escreveu: o III Evangelho e os Atos dos Apóstolos. No primeiro, sutilmente desafia a perspicácia do leitor e, mais do que os outros Evangelistas, apresenta Jesus indo inexoravelmente para Jerusalém, por ela atraído como a limalha pelo ímã. Irresistível força centrípeta o levava sempre para lá. Assim, para lá se dirigiu quando apenas concebido no seio materno (Lc 1,39). A “cidade da Judéia”, acenada por Lucas, é o atual Ain Karem, bairro a uns quatro quilômetros do centro de Jerusalém. Na segunda vez, o Senhor estava para nascer; os pais foram a Belém acatando a ordem emanada de Roma (Lc 2,1-5). Inevitavelmente passaram por Jerusalém; a cidade natal de Jesus está a oito quilômetros ao sul. Recém-nascido, ele é apresentado no templo (Lc 2,22-23). Ao menos a partir dos doze anos, passou a peregrinar para a chamada Cidade Santa (Lc 2,41-42). Lá o Menino ficou três dias, sem que os pais soubessem (Lc 2,43ss). Até demônio o levou para lá (Lc 4,9). Para os estudiosos não passou em brancas nuvens que a tentação no templo de Jerusalém, em Mt 4,5 é a segunda, enquanto que, para o nosso Evangelista, é a terceira; está no final de tudo.
Jerusalém, sempre para Jerusalém, irresistivelmente para lá. Algo atraía, até sugava o Senhor.
Mas chegara a Hora das horas. Significativamente Lucas, sempre ele, diz que o Senhor tomou a firme decisão de ir a Jerusalém (estérisen = cara firme, decidida), para lá morrer (Lc 9,51). E em Jerusalém aconteceu o mistério dos mistérios: a morte e a ressurreição do Senhor.
A partir daí, a cidade que atraía sempre e constantemente o Senhor (força centrípeta), passa a exercer força centrífuga: faz com que os discípulos “caiam fora”, que de lá partam enriquecidos e enriquecedores. Cabia-lhes levar o bom anúncio a todos os povos (At 1,8). A Jerusalém que até então atraíra, a partir de agora, envia todos a todos os recantos da terra.
Tinha razão o papa ao dizer que S. Paulo da Cruz morreu apropriadamente no dia de S. Lucas. Ambos os Santos eram marcadamente passiológicos ou passionistas.
E que o Santo Fundador, fatigado pelos anos, desgastado por tantos ministérios, debilitado pela doença, então mal pode sussurrar “non me la faccio più”, possa, por meio de seus filhos, consagrados ou não no carisma passiológico, dar prosseguimento ao salutar anúncio do mistério pascal.
São Paulo da Cruz, rogai por nós!