Deveria ser diferente, mas…

Texto de P. Mauro Odorissio, CP 

Tomamos verdade como a coerência total e integral consigo mesma. Ela se basta, não ganha no grito. É o que é, e assim se revela sempre. Jamais será camaleão, mudando, adaptando-se segundo as conveniências e circunstâncias. Nem se move ao sabor dos ventos. Tem algo de Deus que É O QUE É.

Mas, se constata que, nas pessoas, ela se localiza, emergem novos parâmetros, situações distintas. Então, deixa de ser mensurável pelo “leito de Procusto”, a pretensa medida única e infalível.

Recordando: esse leito era a medida à qual todos deviam se amoldar. Os centímetros a mais que a pessoa tivesse e superasse o tamanho do leito fatídico, deveriam ser decepados.Ou caso ela não atingisse a “medida única e infalível”, precisaria, como borracha, ser espichada, dilatada.

Cedo aceitamos que o “máximo da justiça é o máximo da injustiça”. Talvez tenhamos demorado um pouco para entender a altura, a profundidade, a amplidão dessa tese; mas a abraçamos plenamente. Não é verdade que o peso, o metro e o litro sejam os únicos recursos de mensurabilidade. Tanto que somos useiros e vezeiros ao empregar o exemplo dos gêmeos cujo pai tem dois bombons nas mãos. A justiça ou o padrão cego ou mecânico o levaria a dar um doce a cada um dos filhos. Mas, e se um é diabético e o outro hipoglicêmico? A tal “justiça” o levaria a matar um e a deixar o outro morrer. Então, o máximo da justiça pode ser o máximo da injustiça.

Estas considerações preliminares são para tecer breve reflexão sobre o sínodo dos bispos, no Vaticano, que abordou a questão da acolhida, na Igreja, de casais de segunda união.

Com Cristo, e também por outras vias, acolhemos como natural a indissolubilidade do matrimônio. É exigência do amor que não é descartável, utilitarista, sujeito às conveniências e circunstâncias. Além disso, os filhos pedem, e pedirão sempre, a união dos pais. A estabilidade e o equilíbrio deles dependem e dependerão dessa união sadia e fecunda. Foi o que Cristo disse breve, mas lapidarmente, ao afirmar que ninguém separasse o que Deus uniu. Essa união é tão intensa e vinculante que supera a que fundamenta o vínculo existente entre pais e filhos. Ela é de tal maneira comungante que leva os cônjuges à união total e plena, inexistente no amor, no relacionamento entre pais e filhos (Mt 19,3-6).

Todavia, essa tese maravilhosa não é etérea. Ela se concretiza no tempo e no espaço, ela é histórica; portanto, sujeita a limitações e fraquezas humanas, percalços, sem excluir maldade. E Cristo não ignorou tal realidade. Tanto assim que, em debate com mal-intencionados inimigos, levou em consideração o “libelo de repúdio”. Como Moisés, o exigiu da parte do marido que dispensava a esposa, para que ao menos não viesse a acusá-la de adúltera, tornando-a passível de morrer apedrejada, caso se unisse a outro homem (Mt 19,7-9). Cristo tomou em consideração casos dolorosos.

Concluindo: o Senhor abraça plenamente a indissolubilidade do casamento. Todavia, reconhece a existência de fatos dolorosos que, ao menos devem ser compreendidos com o coração. A história é irreversível e não se deve obstaculizar o mínimo de caminhada a quem quer palmilhar.

Ante fatos irreversíveis, mas com desejo sincero de se caminhar com Cristo e em Cristo, é de se usar o coração como medida, e não apagar a chama que ainda bruxuleia, ou arrebentar a cana já rachada (Mt 12,20).  Precisamente por isso, é de se investir com profundidade na evangelização e catequese permanente e na Pastoral Familiar. O “amor cristão” (Jo 15,12-13) deve ser melhor conhecido, assumido e irradiado, sem que se olvide a formação sadia e profunda das pessoas que leve a real e sadia posse de si mesmas. Diminuirão os casos dolorosos; mas, existindo, que sejam acolhidos com misericórdia.

Não se trata de oficializar o “erro”, mas de abrir espaço aos que, mesmo errando, possam ter condições de caminhar pela senda da santidade. É verdade: não devemos separar o que Deus uniu. Mas é de se pensar em não unir o que Deus “separou”.

Afinal, a grande e verdadeira medida a encarar casos sinceros é o uso da misericórdia com a qual o Pai  acolhe as pessoas de boa-vontade.