Vivendo e aprendendo a jogar

Texto de P. Alcides Marques, CP

Nós não temos o controle da nossa vida. Por mais que esta constatação seja difícil de digerir, é assim que acontece. Quer queiramos, quer não. E feliz daquele que o quanto antes puder constatar e reconhecer isso. Digo o quanto antes, porque uma das grandes ilusões da nossa juventude e da vida adulta é exatamente a consciência de que podemos ser o que queremos, basta ter vontade e energia. Mas a vida real não é assim: mesmo tendo decisão, vontade e energia, as coisas podem não ser do jeito que queremos. E quase sempre não são.

Indo adiante, poderíamos nos perguntar: como lidar de uma maneira saudável com esta constatação? É possível? Ou seja: ao aceitar que não temos o controle da vida, será que ainda existiriam razões para viver e ser feliz? É claro que sim. Deus não nos criou simplesmente por criar. Existe um desígnio divino sobre o mundo, as pessoas e a nossa vida em particular. Mesmo que seja difícil entender a aceitar, tudo o que é da realidade da vida oferece a nós uma fabulosa possibilidade de caminhar em direção a uma vida plena. Jesus Cristo nos deixou o belo ensinamento: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). Que nós não tenhamos medo nem da verdade e nem da liberdade.

Infelizmente, somos bombardeados cotidianamente com o lema “realize todos os seus desejos e seja feliz”. Mas, convenhamos. Quem é que conseguiria realizar todos os seus desejos? Não parece que isso é mais forma de provocar em nós uma espécie de lavagem cerebral para que sejamos sempre insatisfeitos e assim fiquemos em busca de preencher esta insatisfação comprando coisas, saúde, relacionamentos e até religião? Muitas vezes, temos a ilusão de liberdade, quando na verdade estamos vivendo como robôs, programados para nos comportar desta ou daquela maneira. E perdemos a nossa capacidade de viver a nossa de vida, de cria-la, de inventá-la. O filósofo existencialista Sartre dizia que cada ser humano deve inventar o seu próprio caminho.

Ninguém precisa renunciar aos seus desejos. É uma obrigação nossa lutar pelos nossos melhores desejos. Mas o que precisamos aprender é que não é possível e necessária a realização de todos eles. A disposição para a luta implica vitórias e derrotas, conquistas e fracassos. O que precisamos é aprender a valorizar as vitórias e tirar as lições das derrotas. É isso que dá sabor à vida. É isso que nos faz sentir que estamos vivos e que a nossa vida tem importância. Melhor do que a realização dos desejos é a nossa disposição de lutar por eles. Mas lutar com os pés no chão, acolhendo aquilo que nós não temos controle. Mais ainda: aprendendo a lidar com a vida da melhor maneira possível, respondendo a ela positivamente, não desistindo antes do tempo. A questão fundamental não é o que eu quero da vida, mas o que a vida quer de mim.

A fé cristã é a nossa grande riqueza e aliada. Não somos cristãos somente para rezar de vez em quando, mas o somos porque reconhecemos que Cristo confere à nossa existência um significado pleno. “Senhor, a quem iremos? Só tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68).

O título de nossa reflexão é de uma música da Elis Regina, que não se refere a jogos de azar, mas ao jogo da vida. “Vivendo e aprendendo a jogar… Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas… aprendendo a jogar”. Amém.