O amor é a nossa lei

Texto de P. Alcides Marques, CP

A essência do cristianismo não vem do cumprimento de leis. E não vem porque está alicerçado no amor. E onde há amor não podem prevalecer leis. É claro que, como qualquer grupo social, os cristãos organizados em igreja necessitam de normas, regulamentos, orientações. Não podemos nos esquecer de que as nossas comunidades são grupos sociais e que precisam funcionar bem. Não estamos propondo uma Igreja sem leis, mas uma maneira diferente de pensar a fé cristã e a vida a partir do que é realmente essencial.

Para entendermos melhor a originalidade de Jesus de Nazaré, precisamos recorrer ao judaísmo do seu tempo. O núcleo da religião de Israel está fundamentado no tema da aliança: uma aliança entre Javé e o povo de Israel. “Sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus” (Jer 30,22). Quando falamos em aliança, devemos entender pacto, acordo, compromisso entre duas partes. A parte de Deus está na escolha e libertação do povo e a parte do povo está na observância dos mandamentos de Deus, codificados no que se convencionou chamar a Lei. Por Lei não devemos entender apenas os dez mandamentos, mas todas as normas contidas na Torá (o nosso Antigo Testamento). Na época de Cristo, um mestre judeu chegou a elencar todos os mandamentos e chegou ao número de 613: 365 positivos e 248 negativos.

Jesus não era contra a Lei. Por exemplo: ia à sinagoga no sábado (cf. Lc 4,16). Jesus era livre diante da Lei. Ou seja: Jesus colocou um critério para julgar a Lei e esse critério era o amor. Jesus não era um revoltado ou libertino – contra por ser contra-, mas era livre diante da Lei quando estava em jogo a causa do amor. Aqui está o núcleo, o coração, da novidade trazida por Jesus. A Lei deve estar a serviço do ser humano, não o contrário (cf. Mc 2,27).

Um doutor da Lei se aproxima de Jesus e pergunta qual o maior mandamento (cf Mt 22, 34-40). Jesus era tão livre diante da Lei que aparentava não dar importância para a mesma. O doutor da Lei queria deixar Jesus numa situação desconcertante. O homem queria que Jesus dissesse qual era o maior dos mandamentos, não todos os mandamentos. E Jesus respondeu. Para surpresa de todos, respondeu o que todo bom judeu deveria responder: “amarás o Senhor, teu Deus… (Dt 6,5)” Mas, indo além, disse também o segundo mandamento: “amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Em resumo: para Jesus, a essência da vida está em amar: amar a Deus, amar ao próximo, amar a si mesmo.

Quem tem diante de si o desafio de amar deve entender que deve amar da melhor maneira possível. E para amar da melhor maneira possível, a pessoa não pode estar limitada por leis, fazer ou deixar de fazer apenas o que está previsto. Os 613 mandamentos, e mesmo que ampliássemos para 61300, não podem conter todas as possibilidades do amor. O amor concreto deve ser inventado a cada momento, diante de cada pessoa que encontrarmos e da situação que cada uma está enfrentando. Para amar verdadeiramente, precisamos ser livres para descobrir o melhor caminho. O amor não tem receita. Não precisa comprar livros de autoajuda, precisa abrir o coração, seguir a voz do coração.

Muitas vezes, em nossas famílias, comunidades e relacionamentos, inventamos muitas leizinhas desnecessárias. Preferimos a segurança das mesmas ao desafio do amor. É aquela história de ter que fazer assim ou assado, de cobranças e críticas negativas. E com isso, a vida vai perdendo o seu rumo e se tornando insuportável. Não deixe o amor morrer. Lute por ele. Sempre. Em nome de Cristo.