Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Seguramente os Anjos no céu se comovem ao ver pais ensinando o Pai Nosso aos filhinhos acomodados em seus colos. Devem se divertir ante as atrapalhadas infantis atropelando as palavras. Não há como de a corte angelical não se comover ante a pureza da prece oriunda de corações tão inocentes.
É pacífico: Jesus não ensinou o Pai Nosso aos seus discípulos, como foi feito com cada um de nós, em nossa infância. Essa oração não veio “montada”, pronta para ser decorada e recitada. Não chegou empacotadinha para ser, posteriormente, desembrulhada e recitada como acontece com nossos discos. Ao contrário, antes os seus tópicos foram pregados pelo Mestre, propostos a serem assumidos e vividos pelos discípulos. Posteriormente, eles foram montados pelos Evangelistas.
A nossa afirmação não é gratuita. Basta confrontar como a prece é apresentada diferentemente por Mateus e Lucas, e observar como ela está diluída nos textos de Marcos e de João.
Jesus, em suas pregações, anunciava que Deus é nosso Pai que está no céu, que é de nós, com nossa vida, louvar ou santificar o seu nome, embora ele não seja carente de tais louvores. Mostrava que somos responsáveis pela vinda do Reino e que a vontade divina deveria ser procurada, assumida, vivenciada. Pregação tão rica foi sintetizada nas preces que Lucas e Mateus nos oferecem. O confronto, na tabela abaixo, poderá ilustrar o que afirmamos:
Mt 6,9-13 | Lc 11,2-4 |
Pai Nosso que estás no céu, santificado seja o teunome. | Pai, santificado seja o teu nome. |
Venha o teu Reino. | Venha o teu Reino. |
Seja feita a tua vontade, assim na terra como noCéu | |
O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. | Dá-nos, a cada dia, o pão cotidiano. |
Perdoa as nossas dívidas assim como nós perdoa-mos aos que nos devem. | E perdoa-nos os nossos pecados, pois nós tam-bém perdoamos a todo aquele que nos deve. |
E não nos deixeis cair em tentação. | E não nos deixes cair em tentação. |
Mas livra-nos do mal. |
De imediato se evidencia que Mateus apresenta sete invocações e Lucas, cinco.
A oração foi composta para comunidades de culturas diferentes. Mateus dirige o seu escrito para judeus convertidos. E, como se sabe, o sete é venerado pelos judeus e tido como o número da perfeição. Tanto que o mundo teria sido criado em sete dias (Gn 2,2-3). Então, Mateus o usa muito no seu Evangelho: nas bem-aventuranças (Mt 5,1-12), nos sete pedidos do Pai-Nosso (Mt 6,9-13), nos sete ais (Mt 11,21-18,7), nas sete parábolas (Mt 13,1-51). É interessante observar, ainda, como na genealogia de Jesus são encontráveis três grupos com catorze nomes formando o esquema 2 x 7 (Mt 1,1-17).
Conclui-se que Mateus não “fotografou” ou “gravou” Jesus ensinando a fórmula do Pai Nosso. Ao contrário, como teólogo afeito ao gosto artístico dos judeus, ele elegeu as sete invocações na oração que se faz presente em seu texto.
Lucas, por sua vez, escreveu o Evangelho para pagãos que haviam abraçado o cristianismo. Portanto, não se preocupou com a peculiaridade do número sete, tão cara aos judeus. Da pregação, do ensinamento de Jesus, selecionou cinco invocações que estão no texto do seu Evangelho, e assim apresentou a oração aos seus leitores.
Resumindo, é interessante que recitemos os textos apresentados pelos Evangelistas. Mas o importante é que vivamos como filhos de Deus, acatadores da vontade divina, que supliquemos com a língua, com as mãos e com o coração, o pão de cada dia. É importante, ainda, que para a vitalidade comunitária, haja o perdão mútuo, da mesma maneira como o Pai nos perdoa
Terminamos a reflexão recordando: o Pai Nosso que recitamos é do texto de Mateus.