Texto de P. Alcides Marques, CP
O papa Pio XII, no distante ano de 1946, afirmou que o grande pecado de nosso tempo é a perda do sentido do pecado. Desde então, tal advertência vem sendo repetida por teólogos e papas. Recentemente foi o papa Francisco. A perda do sentido do pecado nada mais é do que uma espécie de aceitação de que não existe pecado objetivo, ou seja, não se tem mais clareza a respeito do que é ou do que não é pecado. E como não temos clareza, vivemos como se não existisse pecado. E assim se propaga em nosso meio uma espécie de relativismo moral. O cristianismo sempre afirmou que o pecado existe e que é através da consciência que podemos perceber a intensidade de sua presença em nossa vida.
Por outro lado, alguns católicos ainda permanecem prisioneiros de uma concepção tradicional de moral, que não olha tanto o ser humano, mas as ações praticadas por ele. E assim, o sacramento da reconciliação torna-se um momento de contar pecados e não parte do processo contínuo de conversão. O fiel olha a sua vida a partir de uma “lista de pecados” e vai selecionando aqueles pecados que praticou, para depois confessar com o padre. Mas será que um ato tido como pecado sempre é pecado? O pecado está no ato ou na pessoa? Vamos exemplificar: dar esmola é uma boa ação? E quando tal esmola serve para sustentar o vício de alguém? Mentir é pecado? E quando alguém está decidido espancar uma pessoa e perguntar para nós se sabemos onde ela está e em caso afirmativo dissermos que não sabemos? Seria pecado?
O teólogo redentorista Marciano Vidal escreveu depois do Concílio Vaticano II um conjunto de três obras que representou um marco dentro de uma nova concepção da moral cristã e de pecado. O nome da obra: “Moral de atitudes”. A linha fundamental de reflexão do autor pretende ajudar fieis e pastores a passarem de uma moral de atos para uma moral de atitude. No caso específico, atitude tem a ver com a orientação de vida. O que importa realmente é a percepção do fiel de que a sua vida não está adequadamente em sintonia com Cristo. A orientação de vida não está voltada claramente para Cristo e para o amor, mas está sendo contaminada pelo egoísmo. Em outras palavras, o penitente reconhece que é realmente pecador e não tanto alguém que simplesmente comete pecados.
A moral de atitude olha em primeiro lugar a pessoa humana e depois os seus atos. Não é que os atos perdem a importância, mas eles não são prioritários na avaliação de uma conduta humana. Por isso, não tem mais sentido o padre (na confissão) ficar perguntando se o fiel fez este ou aquele ato tido como pecado. E não tem sentido porque o ato deve ser visto em função da pessoa e da sua situação concreta. Somente o fiel, ao consultar sua consciência, pode elencar atos que são sinais de que a sua orientação de vida não está bem sintonizada ou nada sintonizada com Cristo e o amor. Não é que o fiel vai decidir o que é pecado, mas somente ele pode descobrir a intensidade de sua condição pecadora. E isso na sua consciência.
O exame de consciência precisaria adquirir outro contorno. Primeiro, um confronto sincero do fiel com a Palavra de Deus. Depois, um confronto com os atos normalmente indicativos de egoísmo. Por último, o silencio interior – aquele que só escuta a voz de Deus – para perceber quais destes atos de fato estão sendo constantes na vida e, portanto, indicativos de um erro de rumo.
Nem viver como se não existisse pecado, nem ficar achando pecado em tudo. O pecado existe e nós precisamos lutar contra ele, primeiro dentro de nós mesmos. Pecar é sempre errar o alvo.