Vivemos segundo a graça

Texto de P. Alcides Marques, CP

Todos nós vivemos sob a influência constante da graça de Deus. Em nossa existência concreta, nós não contamos somente com as nossas próprias forças, a nossa natureza humana. Além de nossa natureza, existe em nós algo de divino que marca, condiciona, incentiva a nossa liberdade. A esse algo de divino, que não faz parte de nossa natureza e que é, portanto, um presente de Deus, São Paulo Apóstolo denomina de graça. O cristão é aquele que vive segundo a graça, é que se deixa conduzir pelo impulso da graça. “E o pecado não vos dominará, porque não estais debaixo da Lei, mas sob a graça” (Rom 6,14). A pessoa carnal, ao contrário, é aquela que se deixa guiar pelos seus instintos, alguém que regride a uma condição animalesca.

A graça de Deus está presente em todas as pessoas e age em todos os momentos. Quer a pessoa tenha ou não consciência disso. No final do livro clássico de Georges Bernanos, “Diário de um pároco de aldeia”, o personagem principal diz o seguinte: “tudo é graça”! E ele está certo. Muitas vezes, imaginamos os sacramentos como canais da graça, mas eles não são canais e sim sinais. Os sacramentos expressam de uma maneira sensível a graça que já está presente. Na carta aos romanos, São Paulo diz que onde a abundou o pecado, superabundou a graça (cf. Rom 5,21). O que ele está querendo dizer é que a graça é mais forte do que o pecado. Ora, se a graça dependesse exclusivamente dos sacramentos para se manifestar, então ela seria mais fraca do que o pecado. Não é mesmo?

Indo adiante, podemos afirmar que as nossas escolhas e decisões, mesmo as banais do cotidiano, envolvem três aspectos: a nossa natureza humana, a influencia da graça de Deus e a nossa liberdade. Quando a liberdade consegue se guiar pelo impulso da graça, nós fazemos o bem e somente o bem. Quando não, podemos fazer de tudo, menos o bem.

No que diz respeito à natureza humana, podemos experimentar cotidianamente o quanto que a mesma é ambígua, contraditória. Estamos marcados por algo de negativo, que vem não de Deus, mas do fato de pertencermos a espécie humana. Infelizmente, esta é a realidade da vida. Do ponto de vista meramente humano, somos seres contraditórios e prisioneiros do mal. E como nós sabemos que somos assim? A resposta é bastante fácil: pela nossa própria experiência de vida. Todos nós, a menos que tenhamos algum problema psiquiátrico, experimentamos que é mais fácil – não somente para os outros, mas para nós mesmos – fazer o mal do que o bem. Existe uma espécie de imã que nos atrai para sentimentos, palavras e atitudes egoístas. O cristianismo não partilha de uma ideia romântica da natureza humana. Nós não somos bons por natureza. Se você está se atormentando por ter que lidar com uma série de tendências negativas e destrutivas em seu interior, pode comemorar, pois você é absolutamente igual a todas outras as pessoas. Isso é da condição humana.

Uma coisa, porém, é certa. Apesar de nossa natureza deformada, nós fazemos efetivamente o bem. Sentimos que é mais fácil fazer o mal, mas acabamos fazendo o bem. O que acontece? Diria que algo de extraordinário. Maravilhoso mesmo. A presença atuante da graça de Deus em nós. Todas as vezes que o bem prevalece, é porque a graça de Deus em nós venceu todas as nossas tendências negativas.

Mas a vitória da graça não se dá sem a nossa aceitação. E é neste momento que entra a liberdade. A nossa liberdade é sempre livre. A presença da graça não anula a liberdade, mas a incentiva. É a mesma coisa que a presença em nossa vida de um amigo/a verdadeiro/a. Ele/a não nos anula, mas nos incentiva poderosamente na prática de atitudes corretas. E é assim que a graça age. Lembremos a passagem do apocalipse: “eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3,20).

Que a graça e a paz de Deus nosso Pai e de Jesus Cristo Nosso Senhor estejam sempre com todos vocês.